O trágico destino das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki ficou para sempre gravado na memória da Humanidade. Uma terceira cidade, Kokura, escapou a destino igual por uma casualidade da meteorologia — e ficou, felizmente, como apenas uma nota de rodapé nos livros de História.
A cidade industrial de Kokura, atualmente integrada em Kitakyushu, no norte do Japão, deve a sua sobrevivência a um improvável salvador: o céu nublado.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o tempo encoberto impediu que a cidade fosse o alvo da segunda bomba atómica, que acabou por devastar Nagasaki, a 9 de agosto de 1945.
Inicialmente, Hiroshima tinha sido escolhida como alvo principal para a primeira bomba atómica devido à sua importância estratégica, sendo sede do quartel-general do Exército Imperial Japonês e um porto vital.
O lançamento da segunda bomba estava previsto para o dia 11 de agosto, tendo como alvo o arsenal de Kokura, um importante centro de produção de armas convencionais e químicas. Contudo, a previsão de tempestades levou os estrategas militares a antecipar a missão para 9 de agosto.
Na manhã desse dia, quando Bockscar, a superfortaleza B-52 da Força Aérea dos Estados Unidos, que transportava a bomba, chegou a Kokura, o alvo estava totalmente encoberto por nuvens.
O avião de reconhecimento meteorológico Enola Gay tinha reportado céu limpo, mas as condições tinham-se deteriorado, possivelmente devido ao fumo resultante do bombardeamento da noite anterior sobre Yahata, um importante centro siderúrgico nas proximidades.
Segundo o The Japan Times, algumas versões sugerem que os operários das siderurgias queimaram propositadamente alcatrão para gerar um fumo negro e espesso, ocultando a cidade dos bombardeiros americanos.
Cumprindo ordens estritas que exigiam confirmação visual do alvo, a tripulação do Bockscar sobrevoou Kokura três vezes, com as portas do compartimento de bombas abertas, à espera de uma brecha nas nuvens.
Com o combustível a escassear, seguiram então para o alvo secundário: Nagasaki. Ao contrário de Kokura, a cobertura de nuvens sobre Nagasaki dissipou-se no momento crucial e, às 10h58, a bomba atómica foi largada sobre a cidade.
Hoje, Kokura é um monumento vivo ao acaso e às circunstâncias. O bairro Mojiko Retro exibe a prosperidade que a cidade tinha antes da guerra, com os seus edifícios ocidentais em tijolo vermelho, datados do final do século XIX e atualmente reconvertidos em galerias de arte e espaços culturais.
A Antiga Alfândega de Moji e o Antigo Edifício da Osaka Shosen, com a sua distinta torre octogonal de 1919, representam a riqueza histórica da zona.
O Antigo Clube Moji Mitsui exemplifica a elegância europeia dos anos 1920 e chegou a acolher convidados ilustres como Albert Einstein e a escritora Fumiko Hayashi. O Edifício Memorial da Amizade de Dalian assinala as antigas rotas comerciais entre o porto e o continente asiático.
O Castelo de Kokura, originalmente destruído por conflitos de samurais em 1866 e reconstruído em 1959, ergue-se próximo do antigo local do arsenal. Atualmente, o Parque Katsuyama ocupa esse espaço, albergando um memorial comovente: um sino recuperado da Catedral de Urakami, em Nagasaki, destruída na zona zero da explosão.
Todos os anos, a 9 de agosto, realiza-se aqui uma cerimónia memorial, e em 2022 foi inaugurado um museu da paz.
E a expressão japonesa Kokura no un ga aru (“a sorte de Kokura”) entrou no vocabulário para descrever uma tragédia evitada sem que se tivesse consciência do perigo iminente.