Os médicos trabalharam cerca de 5,7 milhões de horas extraordinárias em apenas um ano no Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal.
Cada médico fez, em média, 314 horas de trabalho suplementar em 2017 (últimos dados disponíveis), tendo em conta o universo dos profissionais que naquele ano foi para além do seu horário normal, de acordo com o último balanço social feito pelo Ministério da Saúde.
Este número de horas suplementares anuais corresponde a mais do dobro do que foi recentemente acordado com os dois sindicatos que representam os médicos – que reivindicaram, com sucesso, a diminuição do limite máximo atual de 200 horas para 150 horas extra que os médicos podem ser obrigados a fazer por ano, sobretudo para assegurar o funcionamento dos serviços de urgência.
Os dados, que constam do último Relatório Social do Serviço Nacional de Saúde (SNS), dão uma noção da dimensão da pesada carga horária dos médicos, a maior parte dos quais já tem, à partida, horários mais alargados do que é habitual na Função Pública.
No ano passado, de acordo com a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), quase metade (47%) dos clínicos que trabalhavam no sector público faziam 40 horas semanais, quase um quinto (23%) tinha um horário de 42 horas e apenas 23% faziam 35 horas. Os restantes tinham outro tipo de horários.
Segundo um estudo “exploratório e observacional”, que esta semana foi publicado na Acta Médica, quase três quartos (73%) dos inquiridos que trabalham no SNS admitiram ter dificuldades em encontrar o equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar. “Está a haver um sequestro, pelo mundo do trabalho, da vida familiar e pessoal dos médicos”, conclui o coordenador do estudo, o psiquiatra Pedro Afonso, citado pelo Público.
O estudo não é representativo do universo desta profissão, uma vez que teve como base um inquérito online a uma amostra de 181 médicos que são sócios da Associação dos Médicos Católicos Portugueses.
Em média, a carga horária semanal declarada pelos médicos foi de 46,8 horas, mas 40% dos inquiridos admitiram trabalhar habitualmente 50 ou mais horas semanais, e um quinto revelou mesmo que trabalha seis dias por semana. Já há aqui “situações de ilegalidade, uma vez que há uma diretiva europeia que estabelece como limite máximo as 48 horas semanais, incluindo as horas extraordinárias”, defende o psiquiatra.
Quando questionados sobre o limite máximo de carga horária semanal a partir do qual acreditavam haver claro prejuízo na conciliação trabalho-família, mais de metade dos inquiridos considerou que trabalhar mais de 35 a 40 horas semanais implica já um claro prejuízo a este nível.
A insatisfação nestes resultados pode ser “um dos fatores que justifica o êxodo de médicos para o sector privado e para a emigração”, disse o psiquiatra, notando que foi menor o grau de insatisfação dos inquiridos que trabalham no sector privado. As três medidas que os inquiridos defendem ser as mais importantes reverter a situação são a flexibilização do horário de trabalho, o trabalho a tempo parcial e a redução temporária do horário de trabalho.