O matemático que foi o “anjo da guarda” de Albert Einstein

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(pd) Arthur Sasse

Albert Einstein, Prémio Nobel da Física em 1921 (adaptação da foto de Arthur Sasse)

Albert Einstein tinha um amigo muito próximo a quem não poupava elogios.

“As suas anotações poderiam ter sido impressas e publicadas”, disse à esposa do matemático Marcel Grossmann, sobre o tempo em que eram colegas de turma na Suíça.

“Quando chegava a época de me preparar para os exames, ele sempre me emprestava aqueles cadernos de anotações, que eram a minha salvação. Não consigo sequer imaginar o que teria feito sem aqueles livros”, afirmou o génio da física, segundo Walter Isaacson na sua extraordinária biografia Einstein: Sua Vida, Seu Universo.

E o matemático também via o seu amigo com admiração. “Esse Einstein um dia será um grande homem“, afirmou ele aos seus pais.

Às vezes, Einstein e Grossmann visitavam um café para conversar. A sua amizade ultrapassou a vida estudantil. Isaacson descreve Grossmann como o “anjo da guarda” de Einstein.

“Quando éramos estudantes, nós, Albert Einstein e eu costumávamos analisar psicologicamente os conhecidos comuns e a nós mesmos. Numa dessas conversas, ele fez a observação precisa: a sua principal fraqueza é que não consegue dizer ‘não'”, segundo Grossmann.

No Politécnico

Grossmann nasceu em Budapeste, na Hungria, em 1878. Mas a sua família era da Suíça e para lá se mudou com os seus pais, aos 15 anos de idade.

Na Suíça, Grossmann estudou no Instituto Politécnico de Zurique, hoje conhecido como ETH, onde conheceu Einstein, que estudava para se tornar mestre em física e matemática.

“Há quem afirme que Einstein faltava às aulas“, segundo Tilman Sauer, professor de história da matemática e ciências naturais da Universidade de Mainz, na Alemanha.

“Não estou certo disso, tenho as minhas dúvidas. Acredito que Einstein fosse um bom aluno, assistisse às aulas, mas sabemos que, para preparar-se para os exames, ele usava os apontamentos de Grossmann.”

Isso porque os apontamentos do colega de Einstein eram de primeira qualidade. Quando voltava para casa, Grossmann passava as suas anotações a limpo e as estudava meticulosamente.

Isaacson conta que, “nos seus exames parciais de outubro de 1898, [Einstein] tinha sido o primeiro da classe, com média de 5,7 de uma nota máxima de 6. O segundo, com 5,6, era o seu amigo e encarregado de fazer as anotações de matemática, Marcel Grossmann.”

‘Fiquei comovido’

Pode parecer inacreditável, mas Einstein teve dificuldade para encontrar emprego no setor académico.

“De facto, passariam nada menos de nove anos depois da sua formação na Politécnica de Zurique em 1900 – e quatro anos depois do ano milagroso em que ele não só virou a física de cabeça para baixo, mas finalmente conseguiu ter a sua tese de doutoramento aprovada – para que lhe fosse oferecido um cargo de professor universitário”, explica Isaacson.

No outono de 1900, Einstein teve cerca de oito empregos esporádicos como professor particular e enviou várias cartas para professores de universidades europeias, pedindo que fosse considerado para um cargo. “Ele queria ser assistente de algum professor”, destaca Sauer, que foi editor-colaborador da série de livros The Collected Papers of Albert Einstein.

Quando Einstein já começava a perder a esperança, “Grossmann escreveu-lhe dizendo que provavelmente haveria uma vaga no Escritório Suíço de Patentes, em Berna. O pai de Grossmann conhecia o diretor e dispôs-se a recomendar Einstein”, segundo Isaacson.

“Caro Marcel! Quando encontrei a sua carta ontem, fiquei profundamente comovido pela sua devoção e compaixão, que não permitiram que esquecesse o seu velho e infeliz amigo…”, respondeu Einstein por carta.

Einstein conseguiu o emprego em 1902 e foi ali, no Escritório de Patentes que ficou famoso, que o génio de 26 anos, então desconhecido, publicou em 1905 a sua Teoria da Relatividade Restrita. Mais precisamente, escreveu, enquanto ocupava aquele cargo, cinco estudos científicos que revolucionaram a física do início do século 20.

Einstein descreveria a ajuda para obter esse emprego como “a maior oferta a mim por Marcel Grossmann como amigo”. De facto, naquele ano, o físico dedicou-lhe a sua tese de doutoramento.

Em 1909, Einstein conquistaria uma vaga como professor associado da Universidade de Zurique e, em 1911, seria professor da Universidade de Praga, hoje capital da República Checa.

Grossmann, o professor e o guia

Desde o princípio, Marcel Grossmann marcou forte presença no mundo académico. Pouco depois de formar-se professor de matemática, conseguiu um cargo como assistente de professor no próprio Instituto Politécnico.

Especializou-seem geometria não euclidiana e geometria projetiva, publicando vários estudos neste campo.

A dedicação como professor e pedagogo seria uma característica sua ao longo da carreira, como conta a sua neta Claudia Graf-Grossmann no livro Marcel Grossmann: for the Love of Mathematics.

“Ele nunca se permite dar aulas por horas e horas sem ter a certeza de que seus alunos entendam o que ele tenta ensinar, como fizeram seus professores quando estava na escola secundária em Budapeste”, segundo ela.

“Pelas suas próprias experiências escolares, ele sabe que o prazer de aprender e o sucesso resultante são incomparavelmente maiores quando a matéria é ensinada de forma apaixonante e facilmente compreensível.”

E, em 1907, ele foi nomeado professor de geometria descritiva no Politécnico.

“Com Grossmann num cargo importante no ETH, não é surpresa que ele se dedicasse a trazer Einstein de volta a Zurique“, escreveu Sauer no seu estudo Marcel Grossmann and his Contribution to the General Theory of Relativity.

Até que, em 1912, Einstein foi nomeado professor de física teórica no ETH. Reuniu-se com Grossmann e comentou as suas ideias para generalizar sua Teoria da Relatividade Restrita. “Precisa de me ajudar ou ficarei louco“, disse Einstein.

Num artigo sobre o matemático, os professores John Joseph O’Connor e Edmund Frederick Robertson, da Universidade Saint Andrews, no Reino Unido, contam que, em 1912, Einstein lutava para “ampliar a sua Teoria da Relatividade Restrita para incluir a gravitação”. E encontrou um grande guia no seu amigo Grossmann.

“A necessidade de ir além da descrição euclidiana do espaço-tempo foi articulada em primeiro lugar por Grossmann, que convenceu Einstein de que essa era a linguagem correta para o que se tornaria a relatividade geral“, segundo David McMullan, professor de física teórica da Universidade de Plymouth, no Reino Unido.

Isaacson recorda que, nos dois cursos de geometria que fizeram na Politécnica, Einstein tirou nota 4,25, enquanto Grossmann conseguiu a nota máxima, 6.

Einstein também “não estava familiarizado” com a geometria não euclidiana, que foi uma parte importante no desenvolvimento da teoria da relatividade. León afirma que “o trabalho de Grossmann foi fundamental para abrir o caminho para Einstein, explicando-lhe todo esse campo que estava a nascer no âmbito da matemática”.

‘Toda a vida’

Nos anos 1920, a saúde de Grossmann começou a deteriorar-se devido à esclerose múltipla, tendo morrido em 1936, na Suíça.

Na sua carta de pêsames, Einstein escreveu à esposa do amigo sobre as suas recordações: “ele, um estudante modelo, e eu, desorganizado e sonhador”.

Einstein elogiou o facto de que o amigo sempre mantinha bom relacionamento com os seus professores e entendia tudo facilmente, enquanto ele era distante e não muito popular. “Mas éramos bons amigos e as nossas conversas regadas com um café gelado no Metrópole a cada poucas semanas são algumas das minhas recordações mais felizes.”

Quando eles se formaram, “de repente fiquei sozinho, enfrentando a vida sem poder fazer nada. Mas ele ficou ao meu lado e, através dele (e do seu pai), cheguei a [Friedrich] Haller no Escritório de Patentes alguns anos depois.”

Einstein prosseguiu afirmando que estar ali foi como uma espécie de “colete salva-vidas, sem o qual poderia não ter morrido, mas certamente teria me consumido intelectualmente”.

Ele relembrou “o febril trabalho conjunto sobre o formalismo da Teoria da Relatividade Geral. Não o completamos, poque me mudei para Berlim, onde continuei a trabalhar por minha conta.”

Antes de encerrar, lamentou o impacto da doença do amigo. “Mas uma coisa é bonita. Fomos amigos e continuamos a ser amigos por toda a vida.”

ZAP // BBC

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