Marta Temido demite-se. Mas “a demissão em si não resolve nenhum problema”

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Manuel de Almeida / Lusa

Marta Temido

Marta Temido apresentou esta terça-feira a demissão ao primeiro-ministro, “por entender que deixou de ter condições para se manter no cargo”. António Costa já aceitou o pedido.

O comunicado enviado pelo gabinete de António Costa à 01h29 confirma que o primeiro-ministro aceitou o pedido de Marta Temido.

Acrescenta ainda que o líder do Governo “respeita a sua decisão” e adianta que a saída da ministra já foi comunicada ao Presidente da República.

“O primeiro-ministro agradece todo o trabalho desenvolvido pela Dra. Marta Temido, muito em especial no período excecional do combate à pandemia da covid-19″, lê-se também na nota enviada às redações, salienta o Público.

O sublinha ainda que “o Governo prosseguirá as reformas em curso tendo em vista fortalecer o SNS (Serviço Nacional de Saúde) e a melhoria dos cuidados de saúde prestados aos portugueses”.

Com a saída de Marta Temido e até ser nomeado um sucessor, o Ministério da Saúde passa a contar apenas com António Lacerda Sales, secretário de Estado Adjunto e da Saúde, e com Maria de Fátima Fonseca, secretária de Estado da Saúde.

Temido assumiu funções como ministra da Saúde em outubro de 2018, depois de ter abandonado a liderança do Conselho Diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) em dezembro de 2017.

Após ter assumido a chefia do Ministério da Saúde no primeiro Governo de António Costa, foi no segundo Executivo que Temido enfrentou mais adversidades: a pandemia da covid-19.

Já com o predicado de ministra mais popular do XXII Governo, Temido brilhou no congresso do PS, em agosto do ano passado, com António Costa a aproveitar para mediatizar a entrega do cartão de militante à governante, até então independente.

Esse momento colocou Marta Temido entre os potenciais sucessores de António Costa na liderança socialista, ideia que a própria alimentou ao dizer que “nunca se sabe”. “O futuro é uma coisa que é sempre ampla e nunca se sabe o que nos pode trazer”, afirmou à chegada ao 23.º congresso do PS, em Portimão.

Substituição “não será rápida”

A substituição da ministra da Saúde “não será rápida”, disse à Lusa fonte próxima do primeiro-ministro, adiantando que António Costa gostaria que fosse Marta Temido a concluir o processo de definição da nova direção executiva do SNS.

“O primeiro-ministro gostaria que ainda fosse Marta Temido a levar ao Conselho de Ministros o diploma que regula a nova direção executiva do SNS” e que considera uma “peça central da reforma iniciada com a aprovação do Estatuto em julho passado”, disse a mesma fonte à agência Lusa.

A aprovação “só estava prevista para o Conselho de Ministro de dia 15” de setembro e António Costa receia que a substituição de Marta Temido “atrase a aprovação” de um diploma que considera essencial, acrescentou a fonte.

A substituição de Marta Temido “não será rápida”, até porque António Costa estará “totalmente ocupado a concluir a preparação do Conselho de Ministros extraordinário da próxima semana para aprovar o pacote de apoio às famílias, que anunciará em setembro”, no parlamento, explicou.

Na quarta-feira, António Costa estará todo o dia no avião com destino a Moçambique, onde irá participar na cimeira luso-moçambicana, até sexta-feira, só regressando a Lisboa no sábado à noite.

Marta Temido era governante “remodelável”

Neste segundo Governo de António Costa já se começaram a fazer sentir os primeiros sinais que levariam à demissão de Marta Temido.

Os encerramentos de urgências hospitalares em vários pontos do país, em particular nos serviços de ginecologia-obstetrícia, marcaram este verão.

Os partidos da oposição não só fizeram pressão, como a eles se juntou o pedido de demissão da ministra, feito pelo deputado socialista Sérgio Sousa Pinto, bem como as críticas de Pedro Siza Vieira à incapacidade de planeamento do SNS.

A popularidade da ministra foi diminuindo cada vez mais. O comentador Marques Mendes afirmou na SIC que começara uma campanha tendo em vista a saída da governante. Antecipou mesmo: “Ou [Costa] remodela ou [Temido] é remodelada”.

A sondagem do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica para a RTP, Antena 1 e Público a 19 de julho indicava que a maioria dos inquiridos apontava Marta Temido e Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação, como sendo os governantes mais “remodeláveis”.

No mesmo mês, as sondagens realizadas pela Intercampus e pela Aximage confirmaram a tendência de descida da popularidade da ministra.

O Estatuto do SNS, promulgado por Marcelo Rebelo de Sousa, criou dúvidas quanto à criação da figura de diretor executivo do SNS, outro momento negativo para Temido.

Esta segunda-feira aconteceu o mais recente caso a envolver o SNS, com a morte de uma grávida após ser transferida do Hospital de Santa Maria para o Hospital São Francisco Xavier, ambos em Lisboa, por falta de vagas no serviço de neonatologia.

“A demissão não resolve nenhum problema”

“A demissão em si não resolve nenhum problema. Quando as pessoas se demitem é porque acham que não conseguem ir mais longe e porque não têm nenhuma alternativa para o que está a acontecer”, afirma Miguel Guimarães.

Para o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), a saída da ministra prende-se com “com o facto de o SNS (Serviço Nacional de Saúde) não estar bem — estar com muitas dificuldades — e com o facto de o governo e o Ministério da Saúde não as conseguirem resolver”.

Miguel Guimarães acrescenta que era necessário que o governo apresentasse “medidas estruturais que permitissem encarar a nossa saúde de forma diferente”.

Miguel Guimarães aponta que a demissão de Marta Temido não estará relacionada diretamente com o caso da grávida de 31 semanas que morreu enquanto era transferida do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte-Hospital de Santa Maria para o Hospital São Francisco Xavier.

Quando questionado acerca do desempenho de Temido durante a pandemia, o bastonário diz que a avaliação do “desempenho durante a pandemia depende daquilo de que estamos a falar”: “Uma das questões mais importantes que temos em cima da mesa era avaliar a pandemia — aquilo que fizemos bem e mal e ver os pontos positivos e negativos — e isso não foi feito até ao momento. Nunca foi avaliada“.

Miguel Guimarães salienta que, desde o início da pandemia, pelo menos 450 mil portugueses não fizeram exames oncológicos básicos.

Ficaram também “milhões de consultas por fazer. Era difícil que os doentes não-covid, na época, não passassem pelo que está a acontecer agora”, acrescenta.

“Os doentes não diagnosticados [na altura] estão a ser diagnosticados de novo, quem trabalhou durante a pandemia, 24h sobre 24h, esperava que a situação melhorasse… E isso não aconteceu. Era óbvio que a situação ia piorar”, indica.

Para o bastonário, agora é “esperar para ver quem vai ocupar a pasta da saúde”. A “questão mais preocupante é a segurança que vamos ter a partir de agora”, refere.

“A OM tem vindo a chamar à atenção para esta situação [as falhas no SNS] há vários anos. E acho que não é a mudança de ministro que vai mudar a política do PS. Mas esperemos que sim”, atira ainda, citado pelo Público.

O bastonário, que diz só avaliar políticas e não ministros, defende que “em termos do que é a saúde e o SNS em Portugal, ficou muito — para não dizer tudo — por fazer para darmos uma melhor resposta [à saúde] aos portugueses”.

Quanto a culpados pela saída de Temido, Miguel Guimarães nota que “o responsável pelo governo é sempre o primeiro-ministro, e é o primeiro-ministro quem os escolhe, sendo o responsável direto pelos ministros que tem e pelas políticas do governo”.

Nas últimas semanas, segundo o Expresso, foram crescendo os sinais de isolamento da ministra. Desde junho que Temido aparecia sozinha a apresentar ‘remendos’ para uma situação que se agravava de falta de pessoal e de coordenação nas urgências.

Marta Temido chegou à noite de segunda-feira isolada, tal como no resto do verão. No PS e no Governo era claro que a ministra estava em queda e, no seu gabinete, nas últimas semanas o ambiente era de fim de ciclo.

O prazo estava marcado: acabar a regulamentação do Estatuto do SNS. O ânimo já era pouco e havia dúvidas se chegava até ao Orçamento do Estado.

Alice Carqueja, ZAP //

13 Comments

  1. Penso que qualquer pessoa minimamente atenta já terá percebido o que está a passar. Instalou-se no PS a guerra de sucessão. Recentemente Medina foi alvo da exposição pública de alguns podres. Ficou fragilizado. De resto, já vinha fragilizado das eleições para a CML e pelo seu próprio passado com algumas questões pouco claras. Temido, apresentada pelo próprio PM no último congresso do PS como potencial líder do PS (no congresso de resto em que se filiou no PS), já ficou pelo caminho. O ministro das obras públicas deu um tiro no pé (resta saber se com a ajuda de alguém) na questão do aeroporto. Sinto que em breve teremos novidades em relação a Mariana Vieira da Silva e a Ana Catarina Mendes.
    Enquanto isso, o PR está a assistir e muito provavelmente a regozijar-se com tudo isto. António Costa tem as malas feitas e prepara-se para emigrar, seguindo o conselho de Passos Coelho.

    • Boa análise! E agora restam dois ou três. Quem ganhará este Master Chef Político? Será que Costa e o PS estão a resguardar a filha do Vieira da Silva, para ganhar o “concurso”, ou será a feia da zona de Setúbal, Catarina? E ainda há o feião e cara de revolucionário, Ministro do ambiente. Mas tudo não passa de “petizada” sem experiência e sem rasgo político, o que pode indiciar que o PS poderá ser afastado da esfera governativa, a prazo não muito longo.

      • Penso que a começar desta maneira, este governo não terá um final muito feliz. Estou praticamente certo que iremos assistir à alternância de poder no final deste mandato (se é que chega ao fim; dependerá da data em que o PM decida emigrar… a qual está intimamente ligada ao fim do mandato da criatura mais estranha que já por aí apareceu, Charles Michel). Uma coisa é certa. Todos ficaremos melhor. A Europa fica melhor com o Costa do que com o Charles Michel e nós, seguramente, ficaremos muito melhor sem o Costa.
        Quanto ao processo de sucessão, não me parece que seja propriamente um Master Chef. Parece-me mais um daqueles reality shows, estilo Big Brother (até o nome tem alguma semelhança aqui com o processo) em que trancam não sei quantos energúmenos numa casa . Os concorrentes vão saindo e no final fica um. Aqui é parecido. E o nível anda próximo.
        Vaticino que a este ritmo, quem vai ser o próximo líder do PS… não está na casa. Ficou fora. O degredo será tanto que os concorrentes vão acabar por se matar uns aos outros. No final, não fica um em pé. Teremos um “Cavaco” no PS a suceder a Costa? Teremos alguém da ala de Francisco Assis? Teremos Eduardo Cabrita a surpreender-nos ainda mais :)?
        E cuidado que há gente na casa, a correr ao lado, mas bem ambiciosa. Será uma destas?
        Infelizmente, quem quer que seja, terá uma travessia do deserto considerável.

  2. A ministra da saúde é apenas um peão de brega (com o devido respeito) do primeiro ministro. Atada de pés e mãos e com os seus poderes limitados, pouco ou nada pode fazer. É natural que, com todas as mortes que se têm verificado, tenha concluído que o melhor era a demissão. E fez mto bem. SE alguém aqui tem grandes responsabilidades é o primeiro ministro. Não á capaz de acautelar (respeitar) os direitos dos que sofrem, nem é capaz de colocar no devido lugar aqueles que provocam a morte, deliberadamente, aos portugueses que têm a pouca sorte de precisar de um hospital. Alguém vai ter que pagar por este atropelo miserável, aos que já morreram, antes que morram muitos mais.

  3. A culpa é do Pedro Passos Coelho e os extremistas do PSD.
    A Grécia viu metade da dívida da Troika perdoada.
    Mas PPC tem a sua honra no sítio errado.
    Resultado: Portugal ainda não saiu desta intervenção e não pode aumentar ordenados dos funcionários do Estado.
    Mas o ordenado mínimo nacional subiu e com ele tudo o resto, menos a função pública. Fogem os médicos as enfermeiras os professores e o país vê os navios passar

    • Marta Temido tinha que fazer omeletes sem ovos e mandou os do neo- PSD que afinal causaram o problema para um certo sítio e fez ela bem. Obrigado Dr. Marta Temido e será um excelente futura primeira ministra !

  4. Foi preciso esperar pela derrocada extrema do SNS para que a incapacidade e incompetência de Marta Temido tenha ficado de tal modo exposta , que não restava outra saída, que apenas peca por tardia.
    Mas, como diz o bastonário, não basta substituí-la ( por um advogado, engenheiro, ou outro OVNI da área da saúde). É preciso coragem política e investimento nos profissionais. E isso nem este, nem outros governos (PS ou PSD) tiveram ou fizeram. Assistiram impàvidamente à degradação das condições de trabalho dos profissionais de saúde, que foram em exclusivo, os heróis da luta anti pandemia ( não foi a ministra)!

  5. A ministra já estava demitida desde que foi necessário pôr o “Almirante Seringa” a comandar a vacinação! Não vai sêr necessário substituição rápida porque os médicos é que mandam na saúde. O resto é folclore para alimentar os jornalistas.

  6. É claramente a razão do PS ter tido a maioria absoluta, ou seja, o País real e o País político-partidário, o País político-partidário com a ajuda da comunicação social derrubou a
    única Ministra de Saúde querida pelos Portugueses, o País político-partidário PSD, Ordem e Sindicato dos Médicos ganhou a luta com a Ministra da Saúde dos Portugueses, para alguém ganhar é porque alguém perde, perderam os Utentes do Serviço Nacional de Saúde, agora veremos o que se segue, para já temos a festa da Comunicação Social,e dos Partidos políticos dependentes dos dinheiros das Empresas de Saúde Privada, a fatura virá nas próximas eleições, acredito que com uma maioria absoluta do PS ainda mais reforçada.

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