Os candidatos à Presidência da República Marisa Matias (Bloco de Esquerda) e Tiago Mayan (Iniciativa Liberal) protagonizaram este sábado, na antena da SIC, um debate em que discordaram de quase todos os temas abordados de forma clara, à exceção da necessidade de novos apoios para o confinamento que aí vem.
Num debate sempre em tom cordial e moderado pela jornalista Clara de Sousa, a bloquista e o liberal mostram nos mais variados assuntos – Saúde, Economia, Leis Laborais – que se encontram em extremos completamente opostos.
O debate arrancou com a resposta à pandemia de covid-19, com Marisa Matias a considerar que é “irresponsável não fazer tudo” para tentar conter os novos contágios diários, que estão na casa dos 10 mil, que repetiu mais à frente.
Quanto ao estado de emergência, Marisa disse ser favorável, e assinalou que não existe outro quadro legislativo que permita enquadrar as respostas necessárias, mas criticou que nesta situação de exceção esteja “a falhar” a “resposta social e os apoios económicos”.
“Há sinais preocupantes e temos de fazer o que está ao nosso alcance”, frisou.
Já o candidato que é apoiado pela Iniciativa Liberal, partido que está contra o estado de emergência, defendeu que “o país não aguenta um novo confinamento generalizado”, e apontou que o primeiro-ministro também reconheceu isso.
“Se o primeiro-ministro está agora a mudar de opinião é porque algo de muito grave se passa, e eu quero tentar perceber isso”, afirmou, pelo que vai aceitar o convite de participar na sessão com epidemiologistas sobre a evolução da pandemia, na terça-feira.
Se a situação apresentada for “um cenário de guerra”, aí “naturalmente que a situação é distinta”, e isso significa que este Governo “falhou redondamente na gestão da pandemia” e que será necessário “correr atrás do prejuízo” com recurso a “medidas mais robustas”, salientou o candidato a Presidente da República.
“Temos de dar às pessoas condições” para confinar
Ao longo dos 30 minutos que durou o frente a frente, na SIC Notícias, os dois candidatos apenas convergiram na necessidade de apoios no caso de um novo confinamento.
Tiago Mayan Gonçalves pediu ao Governo que assuma responsabilidades caso as novas medidas de combate à pandemia impliquem que as empresas tenham de fechar, e defendeu que “tem que indemnizar direta e indiretamente essas atividades”.
“Pedimos às pessoas o confinamento, pedimos medidas exigentes, e temos que dar às pessoas condições para que elas possam cumprir essas medidas exigentes”, assinalou Marisa Matias. Num comentário à proposta do adversário, a bloquista apontou que esta é “uma perspetiva muito mais socialista da sociedade” e instou Mayan “a decidir qual é a opção que quer, porque está permanentemente em contradição”.
Também no que toca à saúde, os adversários não se encontraram, porque, enquanto a dirigente bloquista defendeu a aposta no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o recurso a meios privados pagos “a preço de custo”, o candidato liberal classificou a proposta da eurodeputada “impossível”, uma “ficção jurídica” e defendeu que os cidadãos devem poder escolher o setor a que querem recorrer.
“Se quer colar-me à geringonça, cola-me bem”
No plano económico, que ocupou o último terço do debate, os candidatos voltaram a discordar, trazendo à conversa o antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho e a troika.
Questionado sobre se uma liberalização das leis laborais poderia conduzir a mais injustiças e desigualdades, aumentando a diferença entre ricos e pobres, Tiago Mayan respondeu negativamente, recordando que últimos anos de governação não foram de políticas liberais.
“Não vamos criar uma uma história alternativa. Durante os últimos anos não foram liberais que estiveram no Governo…. Nos últimos 25 [de governação], 19 foram de socialistas e estes últimos apoiados pela geringonça e, portanto, as políticas que temos laborais não são liberais”, disse, sublinhando a contribuição do Bloco de Esquerda no primeiro Governo de António Costa, numa “arranjo político” da qual também fez parte o PCP.
E continuou: “Somos dos países da OCDE com leis laborais mais rígidas e qual é o resultado disso? Baixos salários, taxa de desemprego jovem de 26% e isso nem sequer conta os que já tiver de sair [do país]. É este o resultado de políticas não liberais. E, comparando com quem aplicou políticas liberais, o que é que vemos? Mais emprego, mais salários. É observar”, rematou o candidato apoiado pela IL.
Na resposta, Marisa Matias não menorizou o seu apoio à geringonça, recordando medidas importantes que foram alcançadas durante este período de governação.
“Se quer colar-me à geringonça, cola-me bem. Apoiei e foi aliás durante esse Governo do Partido Socialista apoiado pela esquerda que se conseguiram medidas muito importantes”, disse, elencando, entre outras, o aumento do Salário Mínimo Nacional e das pensões mais baixas, os passes sociais e a redução de propinas no Ensino Superior Público.
“Já cá faltava a teoria de que a culpa é do Passos”
A candidata apoiada pelo BE foi ainda mais longe e trouxe ao assunto o Governo de Passos Coelho (PSD) e a troika. “De facto, não foram políticas liberais [que foram aplicadas nos últimos anos], mas as pessoas em Portugal não se esqueceram ainda do que foram as políticas liberais no emprego, que foram durante o Governo de Passos, com a troika e as pessoas não se esqueceram dessas políticas liberais e da forma como as colocaram no desemprego”, disse, antes de apontar o apoio de Tiago Mayan ao Executivo de Passos.
“Falam das pessoas que tiveram de emigrar? Foram essas pessoas que tiveram que emigrar no contexto das políticas liberais aplicadas ao trabalho e na altura o Tiago Mayan apoiava este Governo. Na altura, não tinha nenhuma palavra a dizer sobre isto”.
E continuou, dizendo: “Espanta-me que venha colocar o ónus de todas as situações que estamos a viver, de salários baixos, de desemprego, o que seja, nas políticas de um curto período que recentemente tivemos na história em que conseguimos, apesar de tudo, melhorar as condições de vida das pessoas”.
“Já cá faltava a teoria de que a culpa é do Passo”, rebateu Tiago Mayan, considerando que grande parte dessas medidas já foram revertidas e que, na verdade, “nunca houve” políticas liberais aplicadas em Portugal. “Não entre em histórias alternativas”.
Marisa encerrou esta questão vaticinando que a direita não voltará ao Governo tão cedo.
“Por alguma razão, a direita não chegará ao Governo tão cedo novamente. E é por essa memória, pela memoria das políticas liberais, pela memória que foi a destruição dos direitos laborais”, disse, lamentando que não tenha ainda sido possível eliminar completamente os efeitos da troika nas leis laborais portuguesas.
TAP “deve seguir o seu caminho”
Na parte final do debate, Marisa Matias e Tiago Mayan discutiram ainda brevemente sobre a TAP e voltaram a discordar: se para a bloquista a companhia aérea é “uma empresa nacional importante, fundamental”, para o liberal, “o Estado tem de deixar de ser acionista” da transportadora aérea, que deve seguir “o seu caminho”.
Marisa defendeu que a TAP é uma “companhia de bandeira”, exportadora e estratégica em Portugal, mas o argumento não convenceu Tiago Mayan, que elencou exemplos europeus para dizer que não há companhias de bandeira na Europa à exceção de Itália.“A Lufthansa não é uma companhia de bandeira, a British Airwais não é, a Ibéria não é”, disse.
Sobre o Novo Banco, houve também pontos de contacto.
A bloquista considerou que o banco foi “convertido num poço sem fundo”, enquanto Tiago Mayan advogou que o dinheiro que foi injetado no BES teria servido melhor se tivesse sido injetado “nas pequenas e médias empresas”.
O próximo debate presidencial está agendado para próxima segunda-feira e vai juntar todos os candidatos na corrida à Belém. Será transmitido às 22:00 horas na RTP.
As eleições presidenciais estão marcadas para 24 de janeiro.
Sara Silva Alves, ZAP // Lusa