/

“O meu filho perguntou-me o que é o 25 de Abril. Comecei a chorar”

6

Cortesia / TNSJ

Mário Moutinho na peça O 25 de Abril nunca aconteceu

Do dia “mais feliz da vida” ao “perigoso” 2024. Mário Moutinho volta a ser um salazarista em palco. A análise de um dos actores de O 25 de Abril nunca aconteceu.

O 25 de Abril Nunca Aconteceu está em cena desde quinta-feira passada (dia 11 de Abril), no Teatro Carlos Alberto, no Porto.

Com texto e encenação de Ricardo Alves, a distopia-homenagem à Revolução dos Cravos simula um Portugal que ainda vive sob o Estado Novo e salienta menores e menos evidentes conquistas de Abril.

“Além das grandes questões nacionais (no Estado Novo) havia coisas muito mesquinhas, coisas tão ridículas que até nos esquecemos delas. As raparigas não podiam ir de calças para o liceu, por exemplo. Eu lembrar-me dessas histórias é útil para uma peça como esta”.

As palavras são de Mário Moutinho, a famosa voz do Guarda Serôdio ou o eterno Andrade, que aos 77 anos é um dos actores mais experientes neste elenco da peça da Palmilha Dentada.

“É muito gratificante. Até por trabalhar com a Palmilha Dentada, nunca tinha trabalhado com esta companhia. Entrei neste trabalho com muito entusiasmo”, comenta o actor, ao ZAP.

Mário já foi recentemente um salazarista na peça A Noite, de José Saramago. Um jovem espectador já lhe perguntou como é que, sendo uma pessoa assumidamente de esquerda, faz de reaccionário “que apetece ir ao palco bater”.

“Eh pá, porque os conheci. Vivi com eles. Fiz rádio com eles – e saí da rádio porque não queria ser um papagaio”, respondeu.

Voltando à peça actual, mas mantendo a conversa sobre jovens, Mário Moutinho acredita que O 25 de Abril Nunca Aconteceu pode ter um papel pedagógico: “Estou muito curioso para saber como os jovens vão olhar para esta peça e que perguntas nos vão fazer. Estou à espera para perceber as inquietações dos jovens”.

“Os jovens podem pensar que (o que é mostrado na peça) são coisas tão ridículas, que são um exagero” – mas aconteciam mesmo, lembra.

Aliás, o encenador Ricardo Alves admitiu que pensou muito nos jovens quando escreveu esta peça.

O 25 de Abril que aconteceu mesmo

“É o dia mais feliz da minha vida”.

Este é o resumo de Mário Moutinho, quando lhe perguntam que memórias tem do dia 25 de Abril de 1974 (o real).

O dia do nascimento do seu filho também foi “fantástico”, mas aquela quinta-feira…

“Foi o dia em que sinto que se transforma muita coisa, que tudo aquilo estava reprimido explode, que é possível sermos felizes, vivermos tranquilamente, discutirmos uns com os outros, conversar, estarmos de acordo ou não, uma sociedade onde tenhamos o nosso lugar… Isso não era possível”.

Mário tem noção de que “nem tudo foi conseguido, ainda falta cumprir muita coisa, ao nível de mentalidades mas também de outra ordem”.

Mas descrever o 25 de Abril de 1974 é difícil: “É inexplicável quando, talvez 15 anos mais tarde, o meu filho me pergunta o que era o 25 de Abril – e eu não consegui responder porque estava a chorar, estava com um nó na garganta. É uma coisa que não sei mesmo definir”.

E como descreve o 25 de Abril de 2024? “Perigoso. Estamos numa situação muito complicada, muito complexa. E perigosa. Não só em Portugal”.

Aliás, as eleições legislativas de Março – tal como o encenador já tinha revelado – mudaram a parte final do guião: “O último acto deixa de ser um acto alegre e passa a ser um acto de susto”.

Mário Moutinho espera que esta peça seja um alerta. “A arte não transforma mas permite que as pessoas pensem, que se alertem. Estamos a dizer ‘isto existe’ e agora vamos todos conversar sobre isto”.

E sublinha o alerta para a situação real do país: “Temos de estar atentos. Porque o problema das ditaduras deve-se principalmente às desatenções e à zanga – que é legítima – das pessoas. As pessoas estão zangadas com qualquer coisa. Se não quiserem o termo ‘zangadas’, as pessoas estão com as suas expectativas defraudadas. E como não há informação suficiente, como a informação não é correcta…”, detalhou.

E é aí que entra a cultura, para ajudar a (in)formar. “A formação, a cultura, a educação são muito importantes. Por isso é que a cultura assusta muitas direitas. O Salazar dizia que povo culto é povo subversivo. Se formos cultos informados, estamos protegidos contra os populismos”, analisa.

Mário acredita que, historicamente, estes ciclos de extrema direita acontecem (não só em Portugal) porque “a social-democracia trai os princípios que promete e os seus princípios históricos”, fazendo “concessões, não às pessoas e ao seu trabalho, mas sim aos privilégios e ao capital”.

O 25 de Abril nunca aconteceu estará em cena até ao dia 27 de Abril.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

6 Comments

  1. Os que falam que o 25 de Abril nada acrescenta ou foram aqueles que nasceram depois de 1974 ou então talvez em Meados de 1969 e tinham 5 anos e ainda não se lembram o que era o pais antes do 25 de Abril, esquecem que se hoje podem aqui escrever e poder dizer o que lhes vai na Alma , antes do 25 de Abril bastava estarem 4 pessoas na conversa na rua que vinha logo a GNR atras deles, e falar somente o que Salazar deixava.
    Fez muita falta não darem aulas de Antes e depois do 25 de Abril.

    5
    1
  2. As pessoas que não exercem o seu DEVER cívico também não devem ter DIREITOS: a abonos, subsídios, saúde, etc. Pois antes do 25 de Abril, só votavam os senhores (não senhoras) ricos, os padres, não tinham a LIBERDADE de dizer o que pensavam. Só estudavam os filhos dos ricos. Deveria ser obrigatório as pessoas irem votar, nem que fosse em branco, mas irem manifestar a sua vontade.

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.