Uma redução de 46% nas consultas médicas presenciais nos centros de saúde, de 40% nas urgências hospitalares e de 25% nas cirurgias é o resultado do primeiro ano de pandemia nos cuidados de saúde. E há novamente mais de um milhão de portugueses sem médico de família.
O estudo “O impacto da pandemia na prestação dos cuidados de saúde em Portugal”, promovido pelo Movimento Saúde em Dia (constituído pela Ordem dos Médicos, pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares e pela Roche), foi realizado pela consultora MOAI, com dados do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), recolhidos entre 25 de junho e 5 de julho de 2021.
Foram comparados os dados disponíveis do primeiro ano de pandemia (março de 2020 a fevereiro de 2021) com o período imediatamente anterior (março de 2019 a fevereiro de 2020).
Nos cuidados de saúde primários, foram realizadas menos 9.362.365 consultas médicas presenciais (46%) e menos 83.630 consultas ao domicílio (43%), enquanto as consultas não presenciais cresceram 130%, mais 11.965.498, no primeiro ano de pandemia comparado com o período homólogo anterior.
O aumento dos contactos médicos à distância poderá estar relacionado com o trabalho dos centros de saúde no acompanhamento dos casos de covid-19 com doentes que ficam no seu domicílio, sem doença grave. Os contactos de enfermagem presenciais reduziram-se 20% (menos quatro milhões), enquanto os não presenciais aumentaram 71%.
No total, houve menos 13,4 milhões de contactos médicos e de enfermagem presenciais nos centros de saúde, revela o estudo, que é apresentado esta quarta-feira na Ordem dos Médicos, em Lisboa.
Para o bastonário da OM, Miguel Guimarães, estes dados mostram uma situação “muito complicada”, resultado da estratégia que “o Ministério da Saúde resolveu seguir”.
“Os médicos de família seguiram quase 96% dos doentes covid-19, o que é absolutamente brutal, além de terem sido requisitados para os lares e para uma série de outras tarefas relacionadas com a covid-19, como o apoio à vacinação”, disse.
O bastonário ressalvou que são “tarefas importantes”, mas que poderiam ter sido realizadas por outros médicos, para libertar os médicos de família para as suas “funções normais”.
Mais de um milhão de pessoas sem médico de família
A agravar esta situação, também cresceu o número de utentes sem médico de família, que já totalizam 1.050.000, salientou. É a segunda vez que isto acontece: já em setembro passado os números tinham passado essa barreira (1.030.000), o que não acontecia desde 2016.
Segundo a rádio TSF, no final de junho existiam 1,057 milhões de portugueses sem médico de família, mais 19,5% do que em junho de 2020 (mais 206 mil) ou mais 32,5% (mais 259 mil) do que em junho de 2019, ou seja, antes da pandemia.
Em declarações à rádio, o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, Nuno Jacinto, diz não ficar surpreendido com estes números, uma vez que estão a existir muitas reformas de médicos de família, pois há muitos clínicos na casa dos 60 a 70 anos.
Além disso, os jovens médicos estão cada vez mais a optar por não continuar no SNS depois de acabarem o internato, o que, para este responsável, é um reflexo das más condições de trabalho no serviço público.
“O SNS acaba por não ser atrativo e tendo em conta a forma como os médicos de família têm sido tratados há muitos que optam por seguir outras opções”, afirmou à TSF.
Relativamente aos hospitais do SNS, o estudo aponta uma redução de 4,5 milhões de contactos no primeiro ano de pandemia, entre consultas, urgências, cirurgias e internamentos. A procura das urgências hospitalares caiu quase 40%, o equivalente a menos 2,5 milhões de episódios, um número que o bastonário considerou “impressionante”.
Os casos considerados mais graves ou urgentes, com pulseira vermelha, reduziram-se 22%, os episódios com pulseira laranja caíram 31% e os com pulseira amarela 40%. Realizaram-se também menos 176.057 cirurgias (25%), das quais 162.464 (26%) eram programadas e 13.593 urgentes (13%).
Miguel Guimarães assinalou também a redução “muito significativa” na referenciação das consultas aos hospitais, com uma redução de 20% nas primeiras consultas hospitalares (menos cerca de 700 mil).
“Em termos de primeiras consultas hospitalares a redução média foi de cerca de 20%, mas há hospitais que tiveram uma redução de 30% a 50%, o que significa, por um lado, que muitos doentes que deveriam ter sido referenciados acabaram por não chegar aos hospitais”, realçou.
Devido a esta situação, as listas de espera também não engrossaram: “o número de doentes quando comparado com o mês homólogo de 2019 pode não ser muito diferente, até pode ser menor, porque há muitos doentes que não chegaram a entrar no sistema e esse é o grande problema”.
“São milhares ou milhões de doentes, provavelmente, que acabaram por não entrar no sistema e isso tem um impacto muitíssimo grande“, alertou.
O estudo também indica que muitas patologias foram afetadas pela pressão exercida pela pandemia no sistema de saúde, como é o caso da diabetes, em que os utentes inscritos com exame do pé diabético realizado caiu 19% e com exame oftalmológico 28%.
“Isto também aconteceu na insuficiência cardíaca, na hipertensão, num conjunto enorme de doenças que tiveram uma quebra muito significativa”, salientou Miguel Guimarães.
ZAP // Lusa