Maior crise de direitos das mulheres no mundo: o efeito de três anos de domínio talibã

ricardo_mangual / Flickr

Proibidas de estudar, trabalhar e sem acesso a cuidados de saúde. EUA, Reino Unido, Alemanha e Canadá têm sido “lentos e inadequados” a responder às dificuldades, alerta a HRW. País enfrenta também uma das piores crises humanitárias do mundo.

A organização não-governamental Human Rights Watch (HRW) defendeu esta terça-feira que os talibãs criaram a mais grave crise de direitos das mulheres do mundo desde que assumiram o poder no Afeganistão, a 15 de agosto de 2021.

Num relatório sobre o terceiro aniversário da chegada ao poder do regime talibã, a HRW sustenta que o Afeganistão está também a atravessar uma das piores crises humanitárias do mundo, com a ajuda gravemente subfinanciada, milhares de afegãos forçados a regressar ao Afeganistão vindos do Paquistão e milhares de outros que esperam emigrar para países ocidentais ainda à espera.

Proibidas de estudar, trabalhar e sem acesso a cuidados de saúde

Sob o regime talibã, o Afeganistão é o único país onde as raparigas estão proibidas de estudar para além do sexto ano, lembra a organização, com sede em Nova Iorque.

“Os talibãs violaram igualmente o direito das mulheres à liberdade de circulação, proibiram-nas de exercer muitas formas de emprego, desmantelaram as proteções para as mulheres e raparigas vítimas de violência baseada no género, criaram barreiras ao acesso aos cuidados de saúde e impediram-nas de praticar desporto e até de visitar parques”, lê-se no relatório.

Segundo a HRW, o relator especial das Nações Unidas para o Afeganistão, Richard Bennett, descreveu a situação como “um sistema institucionalizado de discriminação, segregação, desrespeito pela dignidade humana e exclusão de mulheres e raparigas“.

“Sob o domínio abusivo dos talibãs, as mulheres e raparigas afegãs estão a viver os seus piores pesadelos. Todos os governos devem apoiar esforços para responsabilizar os líderes talibãs e todos os responsáveis por crimes graves no país”, disse, por sua vez, Fereshta Abbasi, investigadora da Human Rights Watch no Afeganistão.

Desde janeiro de 2024, segundo a HRW, os talibãs têm detido mulheres e raparigas em Cabul e noutras províncias devido ao que designam por “mau ‘hijab’”, ou seja, por não respeitarem o código de vestuário prescrito.

Os investigadores da ONU relataram que algumas das detidas foram mantidas incomunicáveis durante dias e sujeitas a “violência física, ameaças e intimidação”.

Falta de doações e ajuda externa

Além da intensificação das restrições aos direitos das mulheres e das raparigas, os talibãs, prossegue a HRW nas denúncias, restringiram fortemente a liberdade de expressão e os meios de comunicação social e detiveram e torturaram manifestantes, críticos e jornalistas.

“O corte na ajuda ao desenvolvimento contribuiu para criar a crise humanitária no Afeganistão. O Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas informou que mais de metade da população – 23 milhões de pessoas – enfrenta insegurança alimentar. As mulheres e as raparigas contam-se entre as pessoas mais gravemente afetadas”, acrescenta a organização não-governamental.

Segundo a HRW, o plano de resposta humanitária da ONU para 2024 está subfinanciado: em agosto, os países doadores tinham contribuído apenas com 12% dos fundos necessários.

A perda de assistência externa, acrescenta, prejudicou gravemente o sistema de saúde do Afeganistão e exacerbou a subnutrição e as doenças resultantes de cuidados médicos inadequados.

As restrições impostas pelos talibãs às mulheres e às raparigas impediram o acesso aos cuidados de saúde, pondo em risco o seu direito à saúde.

As proibições de educação impostas pelos talibãs garantem uma futura escassez de profissionais de saúde do sexo feminino”, insistiu, disse a Human Rights Watch, que defende que os países doadores têm de encontrar formas para atenuar a atual crise humanitária sem reforçar as políticas repressivas dos talibãs contra as mulheres e as raparigas.

Milhares fugiram do Paquistão. “Vivem num limbo”

Segundo a HRW, mais de 665.000 afegãos chegaram ao Afeganistão vindos do Paquistão desde setembro de 2023, depois de terem sido forçados a sair durante a repressão do governo paquistanês contra imigrantes e refugiados estrangeiros.

Muitos viviam no Paquistão há décadas, lembra a organização, que salienta que estes números vieram juntar-se aos milhões de pessoas deslocadas internamente no Afeganistão e que têm vindo a sobrecarregar o apoio humanitário existente.

Milhares de afegãos que fugiram do país após a tomada do poder pelos talibãs “vivem num limbo no Irão, na Turquia, nos Emirados Árabes Unidos e noutros países”, uma vez que os processos de reinstalação nos Estados que se comprometeram a acolher afegãos, incluindo os Estados Unidos, o Reino Unido, a Alemanha e o Canadá, têm sido “lentos e inadequados às necessidades dos afegãos em risco”.

“O terceiro aniversário da tomada do poder pelos talibãs é uma lembrança sombria da crise dos direitos humanos no Afeganistão, mas também deve ser um apelo à ação”, afirmou Abbasi.

“Os governos que se relacionam com os talibãs devem sistematicamente recordar-lhes que os abusos que cometem contra as mulheres e as raparigas e contra todos os afegãos violam as obrigações do Afeganistão nos termos do Direito internacional. Os doadores devem prestar assistência com o objetivo de chegar aos mais necessitados e de encontrar soluções duradouras para a crise humanitária do Afeganistão”, termina a Human Righs Watch.

ZAP // Lusa

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