No dia 30 de abril de 1977, em plena ditadura militar na Argentina, 14 mulheres reuniram-se na Praça de Maio, em frente à sede do governo em Buenos Aires, para protestar pelos seus filhos desaparecidos, iniciando assim 40 anos de uma luta incansável pela verdade, memória, justiça e pela vida.
“Desgraçadamente, existimos porque nos levaram o que é mais valioso para uma mulher. Lembramos-nos deles sempre com alegria porque eles eram assim: amavam a vida“, diz em entrevista à Agência EFE Taty Almeida, emblemática militante das Mães da Praça de Maio / Linha Fundadora.
“Não aceitamos que nos chamem de heroínas, fizemos o que qualquer mãe faria por um filho”, acrescenta a activista argentina.
Este domingo, as Mães da Praça de Maio completam 40 anos desde a primeira vez que se reuniram nessa praça, com seus lenços brancos na cabeça, para pedir uma audiência com o então presidente argentino, o ditador Jorge Rafael Videla.
O estado de sítio estabelecido pela ditadura argentina (1976-1983) proibia as reuniões de três ou mais pessoas, pelo que as mães que nesse dia se encontravam na Praça de Maio decidiram dar voltas, de duas em duas, em torno de um monumento em forma de pirâmide que existe na praça.
Foi assim iniciada a “volta” que, a partir daquele momento, se repete todas as semanas no mesmo lugar, em homenagem aos 30 mil desaparecidos durante o regime ditatorial de Videla.
Além da perseguição permanente, o movimento teve que suportar uma dura repressão desde o primeiro dia, como foi o desaparecimento de três mães, e mesmo após a democracia, com a aprovação de leis que amnistiaram milhares de acusados de crimes de lesa-humanidade.
Empregada numa família de militares, “gorilas antiperonistas totais”, como diz, Taty Almeida viveu durante algum tempo alheia à repressão exercida pelo exército.
Quando o filho Alejandro, militante de 20 anos, desapareceu um ano antes do golpe de Estado, Taty não entendeu “nada”, porque, como lembrou, “era uma ignorante total”. De fato, demorou a perceber que os culpados não eram os peronistas, mas os “genocidas” que conhecia pessoalmente.
Em 1980, decidiu aproximar-se da sede da organização, onde a única coisa que lhe perguntaram ao entrar foi “Quem lhe falta?”.
“Não estavam preocupados com política ou ideologia. Lá fiz a minha catarse. Chorei, emocionei-me… Foi muito doloroso. Não consegui encontrar o meu filho, mas pus o pé no acelerador e assim continuo”, recorda Taty Almeida.
“O melhor que posso fazer é dividir minha dor com minhas companheiras de luta”, diz Taty, já que todas tinham algo em comum: os seus filhos “alegres, com projectos, que queriam viver” e lhes foram arrancados.
As Mães destacam como o período mais positivo para a sua causa o iniciado com a presidência do falecido Néstor Kirchner (2003-2007), que, segundo Taty, converteu os direitos humanos em “política de Estado”.
No entanto, a activista acredita que a chegada do conservador Mauricio Macri ao poder, em dezembro de 2015, foi um revés, pois o actual governo “viola os direitos humanos” e “pretende apagar a memória“.
Com ela concorda Mercedes Colás de Meroño, conhecida como “La Porota” ou “Poro”.
A sua história é muito diferente da de Taty: filha de um sindicalista, deixou a Argentina após um golpe de Estado nos anos 1930 e chegou a Espanha, onde, em plena guerra civil, fuzilaram o seu pai. A tragédia repetiu-se depois, assim que regressou ao seu país natal, onde outra ditadura fez desaparecer a sua filha.
“Demorei muito a recompor-me, todo o período que tinha estado em Espanha voltou à minha mente: outra vez o fascismo“, pensava “La Porota”, que admite que passou “a vida” a olhar pela janela, à espera que a filha chegasse.
Até que um dia comprou um lenço e foi até à Praça de Maio. Ali, enquanto chorava sentada num banco, uma mulher aproximou-se para a obrigar a ficar de pé, depois de lhe fazer a conhecida pergunta: “Quem lhe falta?”.
“E nunca mais parei“, recorda Mercedes.
Para esta Mãe de Maio, estes 40 anos serviram para reivindicar o carácter “revolucionário” dos seus filhos, que a sua memória seja respeitada “em todo o mundo” e para demonstrar que “a única luta que se perde é a que se abandona“.
Prova disso são as homenagens que as mães receberam nos últimos dias em exposições, almoços e todo tipo de eventos que acontecem neste domingo, no aniversário da primeira volta em trono do monumento em forma de pirâmide.
Todas irão lembrar os seus filhos, como sempre fizeram, para que nenhuma mãe tenha que ouvir novamente aquela pergunta: “Quem lhe falta?”
E elas continuarão a fazer isso “até que o corpo aguente”. “Porque, apesar das bengalas e das cadeiras de rodas, as loucas continuam de pé“, advertiu Taty Almeida.
// EFE