Muito mais do que melhores amigos: partilhamos uma ligação neurológica com os cães e um novo estudo é o primeiro a mostrá-lo. Mesmo os cães com traços de autismo podem estar “em sintonia” connosco — mas só com a ajuda do ácido.
Os cães são, afinal, muito mais do que os nossos melhores amigos. De acordo com um novo estudo, partilhamos com eles uma ligação neurológica, através da atividade cerebral sincronizada.
O processo, também conhecido como acoplamento da atividade intercerebral, já tinha sido documentado entre indivíduos da mesma espécie, nomeadamente entre humanos, mas, com recurso a dietilamida do ácido lisérgico (LSD), ácido mais conhecido pelas suas propriedades alucinogénicas, a recente investigação abriu portas que explicam a ligação intuitiva que muitos donos de cães sentem com os seus animais de estimação.
O estudo, publicado esta quarta-feira na revista Advanced Science, mostra que o psicadélico pode influenciar o comportamento social e a sincronização neural entre as duas espécies.
Olhar e “festinhas” melhoram ligação
Recorrendo a eletroencefalografias (EEG), a equipa de investigadores da China e do Reino Unido registou a atividade cerebral de beagles durante cinco dias, enquanto estes recebiam “festinhas” e olhavam para os humanos.
Durante as interações alvo do estudo, os participantes usaram toucas que mediam a atividade cerebral. O estudo centrou-se em três cenários: quando o cão e o ser humano estavam em salas separadas, na mesma sala sem interação e durante uma interação ativa, como uma carícia.
A ligação neurológica estava lá. O olhar mútuo reforçou a sincronização na região frontal do cérebro, enquanto as carícias intensificaram o acoplamento na região parietal. Além disso, a força desta ligação aumentou ao longo dos cinco dias de estudo, à medida que os cães se familiarizavam mais com os seus parceiros humanos.
Os investigadores também descobriram que os humanos lideravam a sincronização, enquanto os cães respondiam aos seus sinais.
LSD colocou cães “em sintonia” com humanos
Depois, os cientistas quiseram ir mais longe e testar outro grupo de cães com algo em comum: mutações Shank3, marcadores genéticos associados à perturbação do espetro do autismo.
Estes cães demonstraram inicialmente uma notável falta de acoplamento neural durante as interações humanas. No entanto, tudo mudou após a administração de uma dose de LSD.
Os investigadores descobriram então que a droga alucinogénica altera a atividade cerebral em cães com comportamentos semelhantes aos provocados pelo autismo, particularmente durante as interações sociais. A sincronização cerebral entre as duas espécies aumentou significativamente durante a interação ativa, particularmente nas regiões cerebrais associadas à atenção e processamento de pistas visuais e sensoriais.
Além de ser a primeira demonstração de acoplamento de atividade inter-cerebral entre humanos e outra espécie, o estudo abre portas a novas investigações sobre a forma como o LSD pode ajudar a estabelecer ligações neuronais em pessoas diagnosticadas com autismo.
“O presente estudo tem duas implicações“, afirmou o autor do estudo, Yong Q. Zhang, em comunicado: “Uma é que a sincronização inter-cerebral interrompida pode ser usada como um biomarcador para o autismo, e a outra é que o LSD ou seus derivados podem melhorar os sintomas sociais do autismo”.