“Lista de guetos” coloca comunidades migrantes da Dinamarca em risco

Kim Bach / Flickr

O bairro de Mjølnerparken, em Copenhaga, na Dinamarca

Do lado de fora, o bairro residencial de Mjølnerparken, na Copenhaga, capital da Dinamarca, parece bastante comum. Mas o complexo, construído nos anos 80, está no centro de uma polémica devido a um conjunto de medidas que os media dinamarqueses classificam como “a maior experiência social deste século”.

Segundo noticiou o Guardian, Mjølnerparken, juntamente com outros 28 bairros sociais do país, foi classificado pelo governo dinamarquês como “gueto”, entrando assim para uma lista que o país elabora anualmente desde 2010.

Os critérios para serem englobados nessa lista passam por taxas de desemprego e de escolaridade, criminalidade, e o facto de mais da metade da população que aí reside ser composta por migrantes ou filhos de migrantes.

O governo dinamarquês, continuou o jornal britânico, vê esses bairros como “desastres urbanos irremediáveis” ​​e, em maio de 2018, propôs o despejo e a reconstrução em massa. Casas de até 11 mil inquilinos de habitação social podem estar em risco.

O jornal notou que a própria lei dinamarquesa é diferente nesses bairros. Na primeira etapa do “acordo de gueto” criado pelo governo foram estabelecidas penalidades mais altas por crimes e permitido o castigo coletivo – por despejo – de famílias inteiras caso um dos seus membros cometesse um ato criminoso.

Outras das leis parece querer forçar a integração das comunidades migrantes na sociedade dinamarquesa. As crianças em idade pré-escolar devem passar pelo menos 25 horas por semana em jardins de infância estaduais e realizar testes de linguagem. Caso contrário, os benefícios das suas famílias podem ser revogados.

Contudo, salientou o Guardian, a parte mais rigorosa do plano entrou em vigor a 01 de janeiro de 2020, com uma medida que obriga a que as moradias públicas nessas áreas sejam reduzidas para 40%. Na expetativa de conseguir esse objetivo em dez anos, o governo ordenou que blocos inteiros sejam esvaziados e convertidos em moradias particulares, nas quais as pessoas com baixos rendimentos não poderão habitar.

 

Os inquilinos atuais desses bairros receberão acomodações alternativas, sem controlo sobre a localização, a qualidade ou o custo. Os que recusarem, serão simplesmente despejados. Além disso, todo o processo será pago com recursos provenientes de um fundo pago pelos próprios inquilinos dessas habitações até agora públicas.

O plano do governo dinamarquês tem sido criticado internacionalmente. Em 2019, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUR) escreveu no Twitter que o plano era “extremamente preocupante” e corria “o risco de aumentar a discriminação racial contra pessoas de origem migrante”. “Medidas de assimilação coercitiva correm risco de alimentar preconceito racial, xenofobia e intolerância”, referiu na altura a entidade.

O Mjølnerparken tem uma pontuação alta nos critérios de avaliação para ser considerado um bairro de gueto. Possui uma alta percentagem de residentes com baixos rendimentos e que recebem apoio do Estado e baixos níveis de escolaridade. A percentagem de residentes com antecedentes criminais é de 2,7%, o limite mínimo para o ‘status’ de “gueto”.

A métrica final, no entanto, é vista por muitos críticos como uma evidência crucial da real intenção da lei: mais de 50% dos residentes de Mjølnerparken não são dinamarqueses nem filhos de dinamarqueses. Um bairro com problemas semelhantes, mas ocupado por dinamarqueses, não se qualificaria como “gueto”, apontou o Guardian.

A Dinamarca pendeu acentuadamente para a direita nos últimos anos. Habitantes de áreas como Mjølnerparken, principalmente muçulmanos, têm sido alvos dos media e do pânico político sobre a “islamização”.

Alguns municípios rurais com pequenas populações muçulmanas tornaram a carne de porco obrigatória nas cantinas escolares, enquanto o partido de extrema direita Danish People’s – parte da coaligação que liderou o país até junho de 2019 -, tentou enviar os refugiados com permissão de residência negada e considerados criminosos para uma ilha remota.

A ministra da Imigração, Inger Støjberg, sugeriu que os muçulmanos deveriam se afastar do trabalho durante o Ramadão para evitar “consequências negativas para o resto da sociedade dinamarquesa” e que os crimes de ódio motivados por questões raciais ou religiosas se tornaram mais frequentes.

O bairro de Mjølnerparken, em Copenhaga, na Dinamarca

A nova coaligação de centro-esquerda, eleita em junho de 2019, não tem sido muito diferente, continuando a adotar políticas anti-imigração. O governo insiste que os esforços do plano de despejar alguns dos moradores mais pobres, a fim de atrair inquilinos particulares, abre oportunidades para os moradores que ficam. Espera, assim, retirar as populações migrantes daquilo que define como “auto-isolamento improdutivo”.

“O objetivo é dar a todas as crianças na Dinamarca as mesmas oportunidades de vida, independentemente da vizinhança em que crescem ou do histórico dos seus pais”, disse o ministério dinamarquês dos Transporte e da Habitação. “Isso significa que elas precisam ser expostas às normas culturais da sociedade e não crescer em comunidades fechadas”.

Os críticos dizem que isso se baseia em falsas premissas. “Tivemos um pastor dinamarquês que dizia que Mjølnerparken não vive de acordo com a constituição dinamarquesa, mas com a sharia“, disse Marie Northroup, ativista que luta pelos direitos dos inquilinos. “Isso não tem nenhuma semelhança com a realidade, apenas foi criado para discriminar”.

“A ideia é que misturar pessoas mais ricas aqui fará o crime diminuir, mas a verdade é que existem áreas para as quais muitas pessoas mais ricas se mudaram, com taxas mais altas de crimes”, acrescentou ao Guardian a ativista.

Até mesmo as evidências sugerem que os cidadãos não-dinamarqueses gostavam de morar em bairros mistos, mas não conseguem devido à crise imobiliária. Um estudo do Instituto de Pesquisa em Construção da Dinamarca mostrou que apenas 2% dos inquiridos não-dinamarqueses gostariam de viver num bairro onde a maioria não era dinamarquesa.

“O que um terço dos entrevistados quer é morar perto de amigos e familiares para apoio prático e emocional. Essa proximidade foi muito mais fácil de ser alcançada nas áreas menos desejáveis, porque os alugueres e as listas de espera para morar lá eram notavelmente mais curtas”, disse Hans Skifter Andersen, professor naquele instituto.

Encontrar casas a preços acessíveis na Dinamarca é um esforço para qualquer pessoa com rendimentos mais baixos, independentemente da sua origem, sublinhou o Guardian. Consequentemente, os guetos serviram de refúgio para aqueles que não conseguiram casa noutros locais.

ZAP //

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