Como é possível que as crianças que são criadas longe do seu país de origem e perdem o contato com a sua língua materna têm muito mais facilidade para aprendê-la muitos anos mais tarde?
A resposta está no cérebro.
Os padrões neurais criados pelo idioma ouvido nos primeiros anos de vida ficam armazenados na memória. Esses padrões são mantidos ao longo do tempo, mesmo que a pessoa não volte a entrar em contacto com a língua que ouviu à nascença.
Estas são as conclusões de um estudo publicado em dezembro pela revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.
Esse “rastro” deixado pela língua abandonada, no caso, por exemplo, de crianças adotadas por pais de outra nacionalidade, permite uma maior facilidade em reaprender o seu idioma nativo.
“Nos estágios iniciais do desenvolvimento da linguagem, as crianças aprendem a distinguir que sons são importantes e significativos, independentemente do idioma”, afirmou à BBC a autora do estudo, Lara Pierce, da Universidade McGill, no Canadá.
“Esta experiência deixa uma espécie de representação no cérebro, que as crianças usam para construir a sua língua materna”, acrescenta a investigadora.
Linguagem e sons
O objetivo do estudo foi analisar se essas representações foram mantidas ao longo da vida ou desapareceram quando a criança deixou de ouvir sua língua materna.
Pierce e a sua equipa realizaram uma série de exames de ressonância magnética a 44 meninas entre 9 e 17 anos, enquanto ouviam gravações em mandarim.
Um grupo era formado por raparigas nascidas na China, adotadas por famílias francesas antes de completarem três anos de idade, e que só falavam francês. O segundo grupo era composto por crianças que falavam fluentemente francês e mandarim. Havia ainda um terceiro grupo que incluía raparigas francófonas que não falavam nem entendiam o mandarim.
Ao ouvir a gravação, os cérebros das meninas que tiveram algum contato prévio com o mandarim – tanto as que falavam e as que não falavam o idioma – mostraram atividade no hemisfério esquerdo, onde a linguagem é processada.
Nas raparigas que só falavam francês, foram ativadas regiões do hemisfério direito, relacionado com o processamento dos sons.
“Ficamos surpresos com o facto de o padrão de ativação cerebral das meninas chinesas que foram adotadas e perderam completamente o contato com a língua ter coincidido com o padrão das meninas que falavam chinês desde o nascimento”, explicou Pierce.
“As representações neurais que fundamentam esse modelo só poderiam ter sido adquiridas durante os primeiros meses de vida”, acrescenta a investigadora.
Variações
A experiência avaliou ainda crianças menores de seis meses, e também nelas se pôde comprovar padrões cerebrais criados logo após o nascimento.
“No entanto, vimos que existe uma relação entre a idade de adoção e a intensidade da resposta do cérebro“, afirmou Lara Pierce.
“Quanto mais essas crianças ouviram mandarim nos primeiros meses, mais se ativou essa região do cérebro”, descreve a investigadora. “Podemos afirmar que se a exposição à língua materna dura pouco tempo, menos de seis meses, o efeito é menos forte”, acrescenta.
O estudo sugere, embora de forma não conclusiva, que se formos expostos a um idioma precocemente – mesmo se não o falarmos posteriormente -, podemos reaprendê-lo mais tarde com mais facilidade.
Além disso, no campo da teoria da aprendizagem de línguas, o estudo reforça o argumento de que as representações neurais pré-existentes no cérebro não são perdidas se não forem usadas, nem desaparecem com a aprendizagem de uma nova língua – simplesmente tornam-se mais difíceis “de serem acedidas”.
O próximo passo, afirma Pierce, será investigar se essas representações neurais afetam a forma como o cérebro aprende uma segunda língua e analisar ao pormenor o processo de aprendizagem da língua esquecida.
ZAP / BBC