A lei já prevê travões à especulação, mas tem “fragilidades”. O que pode o Governo fazer?

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A lei não prevê limites quantitativos para as subidas dos preços e para as margens de lucro, o que dificulta o trabalho dos reguladores.

Os preços sobem e sobem, mas parece que a culpa vai continuar a morrer solteira, apesar de a mega-operação de fiscalização da ASAE — que está a acompanhar todo o processo de produção e comercialização dos bens alimentares na busca das razões para a subida dos preços — já levou à abertura de 50 processos por especulação.

Os representantes do sector do retalho já vieram a público rejeitar a responsabilidade e falam mesmo numa campanha de desinformação. A verdade é que os preços dos alimentos continuam a subir e a contrariar a tendência da inflação, que tem recuado nos últimos meses. Em muitos casos, as subidas em Portugal tem ficado também muito acima das registadas nos vizinhos europeus, pelo que a guerra na Ucrânia não pode explicar a subida na sua totalidade.

O Governo já prometeu mais fiscalização em todo o país e, na semana passada, o Secretário de Estado do Comércio, Nuno Fazenda, não afastou a redacção de uma “legislação para reforçar a defesa dos consumidores”, incluindo a imposição de limites de 15% às margens de lucro, como foi feito nos combustíveis.

O que diz a lei sobre as medidas que o Governo pode tomar? João Luz Soares, advogado da RSA, explica ao ECO que a avaliação dos comportamentos especulativos tem “algumas fragilidades” e que essas dificuldades são “obviamente exacerbadas por aquilo que é o actual quadro de inflação”.

“Parece-me, no entanto, que o conceito aberto de regular exercício de atividade, parecendo até remeter para uma aplicação pouca equilibrada da lei da oferta e da procura, pode comprometer uma correcta interpretação do sistema: os aumentos verificados parecem estar muito para lá do legalmente aceitável”, explica.

Há vários tipos de especulação, sendo que os dois casos mais recorrentes são a cobrança na caixa a preços superiores aos indicados na etiqueta e a venda de bens com características alteradas, como o peso, para prejuízo do consumidor.

Falta de critérios quantitativos

Até 1984, a lei estipulava que a margem de lucro não podia ultrapassar os 15%, mas esta regra caiu desde então, não havendo limites quantitativos expressos. João Luz Soares explica que a “inexistência de estipulação de valores/limites concretamente definidos acaba por dificultar a análise casuística das situações” e o trabalho dos fiscalizadores na “definição se existe, ou não, in casu, especulação”

“De uma abordagem rigorosa e quantitativa pode-se passar, por isso, para uma abordagem que assenta na necessidade de momentos valorativos e com algum grau de discricionariedade – o que pode comprometer a validade/eficácia do combate a estes fenómenos de especulação”, frisa.

A falta de definição da lei pode assim “levantar problemas de interpretação”, principalmente no conceito de lucro legítimo.

Poucas condenações

O que podem as autoridades fazer neste cenário? Há ainda muito poucas condenações por especulação em Portugal, apesar de ser um crime introduzido no nosso ordenamento jurídico em 1984. São bastante mais frequentes as condenações por concertação de preços, por exemplo, que já levaram à cobrança de pesadas multas às cadeias de supermercados.

“É necessário um óbvio reforço das ações de fiscalização, dotando a ASAE de recursos suficientes e adequados, com uma possível consideração contraordenacional dos casos, mas é necessário também concretizar uma possível intervenção ao nível da fixação dos bens essenciais de primeira linha. Não é também despiciendo considerar uma análise da operacionalidade do presente quadro legal, com possível construção de balizas concretas para aferir a avaliação da subida dos preços”, argumenta João Luz Soares.

Adriana Peixoto, ZAP //

3 Comments

    • Não fale sem saber. A realidade é que em Portugal, em 2022, os preços agrícolas subiram mais no produtor do que no consumidor. E isto são dados estatísticos nacionais. Uma empresa que antes gastasse 8 mil euros mês em eletricidade passou a gastar 25 mil euros mês! Obviamente que os preços têm de subir. E aqui apenas falei nos custos de eletricidade. Junte os combustíveis, os fertilizantes, alimentação dos animais…
      O resto são tretas. Traga números que desmintam isto!

  1. Seria interessante que também o Estado fosse “taxado” pela receita fiscal “excessiva” que tem vindo a obter. Ou é apenas imoral que sejam as petrolíferas e a distribuição a ter lucros excessivos?! E se for o Estado, já não é imoral?!

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