As águas e os solos do planalto tibetano estão repletos de bactérias que produzem antibióticos. Nenhum dos compostos antimicrobianos identificados é completamente novo, mas as descobertas são um sinal de esperança numa altura em que se enfrenta um problema de resistência bacteriana.
As bactéria estão a tornar-se cada vez mais resistentes aos antibióticos. A comunidade médica tem respondido a este problema promovendo o uso responsável de medicamentos, mas não chega.
É necessário criar novos fármacos capazes de combater esta resistência bacteriana.
“Existem duas abordagens básicas para a descoberta de antibióticos. A primeira é navegar em bibliotecas químicas – vastos bancos de dados que contêm centenas de milhares de compostos que podemos testar quanto à atividade antibiótica. Esta análise pode eventualmente ser facilitada por algoritmos de machine learning”, começou por explicar Dmitrii Lukianov, da Skoltech Bio, citado pelo Phys.
“Alternativamente, podemos procurar candidatos a medicamentos na natureza, nomeadamente no solo, já que as bactérias que ali vivem usam antibióticos para combater outras bactérias”, acrescentou.
As amostras, recolhidas em habitats remotos e de difícil acesso no Tibete, foram cultivadas num meio rico em nutrientes conhecido como “caldo de cultura”.
As culturas líquidas obtidas pela equipa foram então testadas quanto à atividade antimicrobiana, sendo que as estirpes bacterianas que produziram compostos antibióticos foram submetidas a análise genética.
Depois, os cientistas compararam as estirpes analisadas com as estirpes bacterianas clinicamente importantes, conhecidas por causar doenças em humanos.
Num segundo passo, e já depois de terem os extratos secos dos líquidos culturais que continham compostos antibióticos, os investigadores começaram a determinar os mecanismos de ação antimicrobiana envolvidos usando o chamado “sistema repórter”, desenvolvido pelo coautor do estudo e professor do Bio Center, Petr Sergiev.
“Existem várias formas pelas quais os antibióticos podem prejudicar as bactérias: afetando a síntese de proteínas, a replicação do ADN, a transcrição do ARN, a síntese da parede celular ou os principais processos metabólicos”, explica Lukianov.
“Os cientistas da Skoltech e da MSU criaram um sistema repórter que nos permite distinguir compostos com dois mecanismos de ação. Primeiro, antibióticos que suprimem a produção de proteínas pelas bactérias. Em segundo lugar, compostos que afetam a replicação do ADN ou a transcrição do ARN”, referiu.
Todos os outros mecanismos de ação foram classificados como o terceiro grupo.
Para determinar que mecanismo estava em jogo, o sistema depende de uma dupla “estirpe repórter” da bactéria E. coli, uma estirpe de laboratório artificialmente desprovida de certos mecanismos de defesa, tornando os efeitos dos antibióticos mais fáceis de discernir e analisar.
Os cientistas cultivaram então a estirpe repórter em placas de Petri e a submeteram-na aos extratos líquidos da cultura tibetana e a extratos de controlo. Com base no grau de mortalidade dos compostos analisados para a estirpe, quando comparados com os antibióticos geralmente usados, a equipa conseguiu determinar qual o mecanismo envolvido.
Posteriormente, a equipa usou duas técnicas analíticas para identificar compostos – cromatografia e espectrometria de massa – por forma a saber que espécies químicas estavam contidas nos extratos.
Entre elas estavam hedamicinas e kidamicinas, em água salina de lagos, assim como rifamicinas de amostras de solo tibetano.
“Os compostos destas famílias são antibióticos conhecidos, mas a sua presença em regiões tão remotas e a uma altitude tão elevada acima do nível do mar não é algo que se possa suspeitar facilmente”, salientou Lukianov. “Pode haver outros antibióticos desconhecidos à espreita por aí também. E talvez da próxima vez tenhamos a sorte de encontrá-los.”
Os artigos científicos foram publicados na Frontiers in Microbiology e na Microorganisms.