A “la Françafrique” de Macron tem os dias contados — e a culpa é do grupo Wagner

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Stephanie Lecocq/EPA

Emmanuel Macron

A França tem tentado assumir o papel de ponte entre a Europa e África desde 2017, mas a estratégia de Macron não está a resultar como o esperado.

Depois de um ano em que as forças francesas e interviram nas operações contra jihadistas no Mali e no Burkina-Faso, foram alvo de protestos anti-colonialistas e também estiveram no centro de campanhas de propaganda da Rússia, Macron anunciou uma renovação profunda da estratégia de França no continente.

“Os dias de la Françafrique estão verdadeiramente acabados“, anunciou Macron na sua recente digressão pelo Gabão, Angola, República do Congo e República Democrática do Congo, a sua 18.ª deslocação diplomática a África em apenas oito anos. A “humildade”, “parceria” e o “investimento” serão as novas palavras de ordem, de acordo com o Presidente francês.

Macron tenta assim desfazer a imagem de que a França quer manter um domínio colonial não-oficial no continente. “Chegamos ao fim do ciclo na história francesa em que as questões militares eram preementes em África”, anunciou, prometendo que deixarão de existir bases militares francesas no continente e que as tropas se focarão antes em treinar os soldados locais.

O chefe de Estado também abordou outras formas de cooperação além da Defesa, como o desenvolvimento agrícola, a protecção das florestas africanas, investimentos em empresas afriicanas e o apoio à transição dos combustíveis fósseis.

O nosso destino está ligado ao continente africano. Se formos capazes de aproveitar esta oportunidade, podemos ancorar-nos no contiente, que será cada vez mais um dos mercados económicos mais jovens e dinâmicos do mundo e um dos grandes centros do crescimento global nas próximas décadas”, frisou Macron.

A influência do Grupo Wagner

Esta mudança de estratégia deve-se, em grande parte, ao avanço das tropas mercenárias do Grupo Wagner em África. Na República Centro-Africana, por exemplo, 1890 instrutores russos estão a apoiar as tropas do Governo na guerra civil. Na Líbia, 1200 mercenários estão a apoiar o líder rebelde Khalifa Hifter. No Mali, a junta anti-ocidental e pró-russa levou a que centenas de soldados Wagner fossem para o país.

Vários destes países são precisamente os mesmos em que a França tinha as suas tropas — Mali, Burkina Faso e República Centro-Africana. De acordo com a Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, o Grupo Wagner é “o actor russo mais influente a operar na Rússia actualmente”.

As frequentes visitas diplomáticas de Sergey Lavrov e acordos para a venda de armamento, comida e fertilizantes também ajudam a afirmar a influência russa em África. Graças a isto, Moscovo conseguiu 15 abstenções de países africanos no voto da mais recente resolução das Nações Unidas contra a guerra na Ucrânia. O Mali e a Eritreia até votaram contra, relata a DW.

A marca Wagner actua em áreas que vão muito além da segurança. Em julho, a organização All Eyes on Wagner avançou que os mercenários têm conseguido enormes lucros com a venda da madeira tropical da República Centro-Africana. De acordo com o relatório, o Governo de Bangui concedeu a uma subsidiária direitos irrestritos de extração de madeira numa área de 187 000 hectares.

O caso da mina de ouro de Ndassima, também na República Centro-Africana, é semelhante. Os relatórios dizem que foi terminada uma concessão a uma empresa canadiana em favor de uma de Madagáscar que aparece como uma subsidiária do grupo Wagner. Até três comboios de camiões são levados semanalmente de Bangui a Douala para transportar as matérias-primas, sob a protecção dos mercenários.

Os russos estão também a tentar deliberadamente sabotar os esforços de aproximação da França. O Grupo Wagner quer forçar a empresa francesa de açúcar SUCAF a sair do mercado, de acordo Joseph Bendounga, líder do partido de oposição MDREC na República Centro-Africana.

“Eles estão num processo de acusar a cervejaria francesa Castel de apoiar e financiar forças terroristas. “Em todas as áreas que trazem dinheiro, incluindo alfândega e impostos, os russos são os mestres“, revela ainda Bendounga.

Há até boatos e relatos da inteligência norte-americana de que os mercenários estão a trabalhar com os rebeldes no Chade e a planear um golpe de Estado em conjunto.

A guerra na Ucrânia também não dá sinais de desacelerar a aposta do Grupo Wagner em África; pelo contrário, há indicações de que os mercenários se vão distanciar da Ucrânia e investir mais no continente africano.

Citando fontes próximas de Yevgeny Prigozhin, a Bloomberg escreve que o líder é visto em Moscovo como uma ameaça cada vez maior pelas autoridades de segurança e políticas, principalmente desde que foi impedido de recrutar mercenários entre os presos na Rússia, a sua principal fonte de angariação de militares.

O último episódio na desconfiança sobre a mais-valia desta empresa privada de segurança foi a incapacidade de avançar de forma decidida sobre a cidade ucraniana de Bakhmut.

“Com os combatentes a terem muitas dificuldade em avançar mais do que uma dúzia de quilómetros em direcção a Bakhmut apesar de meses de combate, os principais líderes militares russos conseguiram criar dúvidas em Putin sobre as capacidades militares da Wagner, argumentando que os resultados obtidos anteriormente resultavam da utilização de muitos presos tornados militares que eram enviados para a morte certa”, escreve a Bloomberg.

Prigozhin está a chatear toda a gente, e a sua única proteção é a relação pessoal que tem com Putin, que ainda o considera útil de alguma forma”, disse a consultora política Tatiana Stanovaya, fundadora da R.Politik.

Num anúncio público divulgado na segunda-feira, o Grupo Wagner abriu ainda vagas para mercenários para seis meses na Ucrânia e nove a 14 meses em África.

“Um risco para a UE”

Macron tem sido o chefe de Estado francês mais progressista dos últimos tempos na sua relação com África, pedindo desculpas pela inacção de Paris no genocídio no Ruanda e pela exploração colonial na Argélia.

Também criou uma comissão para investigar os massacres coloniais em Camarões, acabou com o franco CFA — a moeda de oito nações da África Ocidental ligada à França — e devolveu tesouros culturais saqueados pelos francesas.

Mas estes gestos simbólicos não têm sido suficientes para conquistar os africanos, especialmente no meio de uma guerra de propaganda contra os russos. “Não criamos soft power suficiente. Os nossos embaixadores têm de ser mais agressivos na criação de contra-narrativas, em vez de comunicar apenas em pelas estruturas institucionais”, admite um responsável do Governo de Paris ao Politico.

E foram os próprios erros do Eliseu que levaram à ascensão dos mercenários russos em África. “O passado recente mostra um conjunto de erros estratégicos de grave monta que conduziram à entrada do grupo mercenário russo Wagner em países como a República Centro Africana, Mali, Burkina Faso ou Camarões, com os quais Paris tem laços históricos”, refere Celso Filipe no Negócios.

“Neste quadro é também preciso lembrar que a francesa Total Energies, que controla a exploração de gás natural no norte de Moçambique, foi a responsável por trazer, numa primeira fase, os mercenários do grupo Wagner para Cabo Delgado com o objetivo de derrotarem os terroristas islâmicos”, acrescenta.

Talvez a melhor estratégia para França fosse apostar em África sob a alçaca da União Europeia, mas a verdade é que Bruxelas também já viu melhores dias na opinião pública dos estados africanos.

Com a invasão russa à Ucrânia, a guerra na Europa tornou-se a prioridade número um e tem deixado África na sombra. O foco está agora na ajuda militar e humanitária aos ucranianos, enquanto que o apoio à paz e à segurança em África saiu de cena. Para muitos africanos, a Europa parece agora mais interessada em vilanizar a Rússia do que a ajuda ao continente.

O presidente da República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi, exigiu até a Macron que deixe de agir como o messias de África e que não esteja convencido que sabe o que é melhor para o continente.

A ausência de uma condenação francesa ao Ruanda também motivou uma manifestação anti-Macron e houve até cartazes pró-Putin mostrados pela multidão. Para os africanos, a Rússia e a China são aliados mais fiáveis do que a França.

A associação a Paris pode assim sair pela culatra aos aliados europeus interessados em investir em África.

“Para a UE, Portugal e países como Angola, Moçambique ou Cabo Verde, esta canção de embalar deve ser vista com reservas. No caso de Bruxelas, se delegar em Paris, a estratégia de relacionamento com o África, corre o risco de vir a perder ainda mais influência no continente. Para a diplomacia portuguesa, subordinar-se a Paris, seria um erro inqualificável, o mesmo se aplicando a Luanda ou Maputo, se acharem que ganharão mais aproximando-se de França”, remata Celso Filipe.

Adriana Peixoto, ZAP //

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3 Comments

  1. Ao querer liquidar a Rússia o Ocidente acaba por se liquidar a si próprio. E nós em Portugal continuamos a querer ser servos dos Estados Unidos…

    • A Rússia (a máfia do Hitler Putin) é que anda há muitos anos a tentar destabilizar o Ocidente!!
      O grupo terrorista Wagner é só mais um braço do gangue que controla o Kremlin.

    • Isto está mais para a 3ª Guerra Mundial Infelizmente, cada vez se nota mais atritos entre RUSSIA, EUROPA, NATO, EUA – EUA, CHINA,-EUA , COREIA do NORTE Infelizmente caminhamos para isso

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