Massacre na FCUL. “Fogo, já devia ter feito isto na segunda-feira”

João Carvalho / Wikimedia

Edifício C2 da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

O jovem suspeito de planear um ataque terrorista à Faculdade de Ciências assumiu esta terça-feira em tribunal a vontade de “atirar ‘cocktails molotov’, setas e esfaquear pessoas” mas considerou que não teria “coragem para matar uma pessoa”.

De acordo com a agência Lusa, o jovem de 19 anos relatou “num tom monocórdico e inexpressivo” aquilo que foi a preparação do ataque. Antes do dia 11 de fevereiro, data escolhida para o ataque e quando acabou de detido, João já tinha apontado para quatro outras datas, nomeadamente num dia de exames, numa sala com cadeiras agarradas ao chão, para que não pudessem ser arremessadas na altura do ataque.

Apesar de toda a prova indiciária recolhida pelos agentes da PJ apontar para a iminência de um ataque sanguinário dentro da faculdade, o advogado de defesa pretendeu evidenciar ao coletivo de juízes presidido por Nuno Costa que o tribunal está na presença de alguém que dificilmente passaria das palavras aos atos descritos na acusação.

“Já mataste algum animal na tua vida?”, questionou Jorge Pracana, ao que o jovem respondeu prontamente. “Nunca”.

“Eras capaz de pegar numa faca e espetar num ser humano?”, insistiu ao causídico, ao que João Carreira retorquiu: “Acho que não”.

Durante o interrogatório, o jovem admitiu que “nunca manejou uma arma de fogo”, confirmando porém que comprou várias facas, sendo que a escolha recaía naquelas que eram mais “fixes” e esteticamente atraentes.

Revelou ainda que na véspera de ser detido ficou a saber na “Loja do Chinês”, onde adquiriu material para o seu plano, que a polícia “andava atrás de si”, o que o levou a cancelar a compra de mais líquido para fabricar os cocktails molotov.

Também em resposta ao advogado, o estudante de engenharia informática, cujos pais vivem na Batalha e o único irmão reside e trabalha na Alemanha, confessou que chegou a pensar em suicidar-se, em vez de cometer o atentado, mas que “não foi capaz”, justificando que não tinha “razão” e eventualmente coragem para o fazer.

Durante a sessão, o tribunal inquiriu Micaela Nunes, uma jovem que tinha um blogue sobre casos criminais e que se tornou amiga, via online, do arguido, trocando também com ele ideias e mensagens no Telegram e Instagram. A testemunha disse saber que João Carreira tinha armas, que estava “triste”, tendo-lhe dito “várias vezes que se ia matar”.

As motivações para o ataque

Uma depressão relacionada com um desgosto amoroso — foi rejeitado pela amiga virtual com quem falava sobre tiroteios em escolas — e uma suspeita de plágio na faculdade foram o gatilho para planear o banho de sangue, escreve o Correio da Manhã.

João queria matar “pelo menos três pessoas para ser um assassinato em massa”, disse no tribunal esta terça-feira. “Queria ter os meus 5 minutos de fama. Queria chamar a atenção da comunidade com o meu ataque”.

“Queria esfaquear-me na barriga. Foi inspirado num videojogo. A pessoa espeta a faca na barriga e morre”, acrescento.

No total, João gastou 400 euros em armas, que nunca saíram do seu apartamento. Comprou facas e uma besta pelo OLX e um punhal numa loja de caça. Não usou armas de fogo, “porque era difícil e caro” fazê-lo.

“Sabendo que a PJ estava atrás de si, porque manteve as armas em casa?, perguntou-lhe o juiz. “Porque talvez gostasse que fosse apanhado”, respondeu o jovem.

“Mas acha que tinha de ser apanhado para não levar o ataque adiante?”, retaliou o juiz. “Talvez”, atirou João.

Em tribunal foram também ouvidos dois inspetores da Unidade Nacional de Combate ao Terrrorismo da PJ, tendo ambos confirmado ter sido o FBI a lançar o alerta sobre as intenções criminosas do jovem, após uma denúncia de que este teria anunciado num grupo restrito da internet o seu plano de causar mortes na universidade.

Arménio Pontes contou que na vigilância efetuada na universidade constatou-se que o jovem “não interagia com ninguém”, andando “cabisbaixo” e que “algo a nível comportamental” indicava que “algo estava a acontecer”.

Alertou ainda para o “plano muito elaborado e disiciplinado” encontrado na parede do quarto do jovem, que é “típico” de quem prepara meticulosamente este tipo de atentados. Segundo o plano, o ataque deveria ser concretizado dia 11 de fevereiro.

Quer Arménio Pontes, quer o seu colega Luís Simas Miranda, declararam que o jovem “estava a dormir” quando o seu quarto foi alvo de buscas, tendo João Carreira ficado surpreendido” com a ação, mas com uma atitude “colaborante” e “serena”.

Os inspetores da PJ vincaram que, após ser detido nos Olivais, o jovem lamentou ter deixado passar a oportunidade, desabafando: “Fogo, já devia ter feito isto (ataque) na segunda-feira”.

João Carreira ficou em prisão preventiva desde 11 de fevereiro de 2022, tendo a medida de coação sido substituída por internamento preventivo no Hospital Prisional de Caxias, com o Ministério Público a alegar “forte perigo de continuação da atividade criminosa e um intenso perigo de perturbação da tranquilidade e da ordem públicas”.

A próxima audiência de julgamento está marcada para dia 28, devendo as alegações finais ocorrerem no dia 4 de novembro.

Daniel Costa, ZAP // Lusa

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