Depois de ter renunciado ao conflito armado, após a derrota na Segunda Guerra Mundial, e exibido durante décadas o estatuto de Estado pacifista, o Japão anunciou na sexta-feira um aumento do orçamento de Defesa de 1% para 2% do seu Produto Interno Bruto (PIB), em cinco anos.
Segundo avançou o Público, corresponde a um investimento de cerca de 295 mil milhões de euros durante esse período de tempo. O Japão passará assim a ser o terceiro país do mundo que mais vai gastar em orçamento militar, apenas superado pelos Estados Unidos (EUA) e pela China.
De acordo com a agência Kyodo, o documento Estratégia de Segurança Nacional (ESN) indica que parte da despesa será investida na aquisição de mísseis de longo alcance, de drones, de caças, de navios de guerra, de helicópteros, de submarinos e de sistemas de comunicação por satélite, entre outro tipo de armamento.
O objetivo, disse o primeiro-ministro Fumio Kishida, citado pelo Japan Times, passa por reforçar a “capacidade” japonesa para “contra-atacar”.
Nos termos do artigo 9.º da Constituição “pacifista” do Japão, em vigor desde 1947, as forças de segurança do país apenas podem levar a cabo operações e atividades militares defensivas; ou seja: o Japão não pode atacar diretamente outro país.
A ESN esclarece que esta revisão define uma “política exclusivamente orientada para a legítima defesa”, que não pretende fazer do país uma “potência militar”.
“A nova política securitária representa uma enorme mudança na política de segurança do pós-guerra”, disse Fumio Kishida, referindo ainda que o país se encontra numa “encruzilhada histórica”. “[Mas] o caminho do Japão enquanto nação pacífica permanecerá inalterado”, reforçou.
Citando a ESN, a Kyodo diz que o Japão pode lançar um “contra-ataque” se “for atacado ou se ocorrer um ataque a uma nação aliada que ameace a sobrevivência do Japão”; se não houver outros “meios adequados para repelir” esse ataque; e “desde que o uso da força seja mantido a um nível mínimo”.
“O primeiro-ministro [japonês] está a apresentar uma posição clara, inequívoca e estratégica sobre o papel do Japão enquanto provedor de segurança no Indo-Pacífico”, reagiu o embaixador dos EUA no Japão, Rahm Emanuel, num comunicado.
“Olhando para a sua vizinhança, o Japão enfrenta o ambiente securitário mais grave e mais complexo desde o final da Segunda Guerra Mundial”, devido à pressão “daqueles que procuram alterar unilateralmente o ‘statu quo’ através da força”, explica a ESN, referindo-se à Federação Russa, à China e à Coreia do Norte.
“A invasão russa da Ucrânia é uma violação grave das leis que proíbem o uso da força e fez estremecer as fundações da ordem internacional”, aponta o documento, que critica a “colaboração estratégica” entre russos e chineses.
Moscovo anunciou recentemente a instalação de um sistema de mísseis em Paramushir, a maior ilha das ilhas Curilas, o arquipélago reivindicado pelo Japão. As negociações bilaterais sobre o destino das ilhas já tinham sido suspensas, pelo Kremlin, em março, por causa das sanções impostas por Tóquio.
“A guerra na Ucrânia alertou-nos para a necessidade de termos de ser capazes de responder a um conflito, que é algo para o qual o Japão não tem estado preparado”, considera Toshimichi Nagaiwa, general japonês já retirado, citado pela Reuters.
No que toca à China, a revisão japonesa diz que “é o maior [desafio] que o Japão alguma vez enfrentou”.
“A China intensificou as suas atividades militares em redor de Taiwan e as preocupações sobre a paz e a estabilidade no estreito de Taiwan aumentaram rapidamente, não apenas na região do Indo-Pacífico, que inclui o Japão, mas também no seio de toda a comunidade internacional”, denuncia o documento.
Em resposta, na sexta-feira, Pequim rejeitou as acusações vindas de Tóquio e pediu ao Governo de Kishida para “agir de acordo com o consenso político de que os dois países são parceiros cooperantes e não representam uma ameaça um ao outro”.
“Exaltar a ‘ameaça da China’ para tentar encontrar uma desculpa para o seu desenvolvimento militar está destinado a fracassar”, indicou Wang Wenbin, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, citado pelo Guardian.
Quanto ao regime de Kim Jong-un, representa “a mais grave e mais iminente ameaça alguma vez verificada”, explica a ESN.