A inclinação e os anéis de Saturno podem ser o produto de uma antiga lua (já desaparecida)

NASA / JPL-Caltech / SSI

Girando à volta do equador do planeta, os anéis de Saturno são uma prova óbvia de que o planeta tem um eixo de rotação inclinado.

O gigante gira num ângulo de 26,7º em relação ao plano em que orbita o Sol. Os astrónomos há muito que suspeitam que esta inclinação vem de interações gravitacionais com o seu vizinho Neptuno, à medida que a inclinação de Saturno precessa, como um pião, quase ao mesmo ritmo que a órbita de Neptuno.

Mas um novo estudo de modelagem por astrónomos do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e de outras instituições descobriu que, embora os dois planetas possam ter estado uma vez em sincronia, Saturno escapou desde então à atração de Neptuno. O que é que foi responsável por este realinhamento planetário? A equipa tem uma hipótese meticulosamente testada: uma lua em falta.

Num estudo publicado a semana passada na revista Science, a equipa propõe que Saturno, que hoje acolhe 83 luas, já acolheu pelo menos mais uma, um satélite extra a que deram o nome de Crisálida. Juntamente com os seus irmãos, os investigadores sugerem que Crisálida orbitou Saturno durante vários milhares de milhões de anos, puxando e puxando o planeta de uma forma que manteve a sua inclinação, ou “obliquidade”, em ressonância com Neptuno.

Mas há cerca de 160 milhões de anos, estima a equipa, Crisálida tornou-se instável e aproximou-se demasiado do seu planeta num encontro rasante que dilacerou o satélite. A perda da lua foi suficiente para retirar Saturno do alcance de Neptuno e para deixá-lo com a atual inclinação.

Além disso, os investigadores supõem que, embora a maior parte do corpo estilhaçado de Crisálida possa ter colidido com Saturno, uma fração dos seus detritos pode ter permanecido em órbita, eventualmente quebrando-se em pequenos pedaços gelados para formar os famosos anéis do planeta.

O satélite desaparecido, portanto, pode explicar dois mistérios de longa data: a atual inclinação de Saturno e a idade dos seus anéis, anteriormente estimada em cerca de 100 milhões de anos – muito mais jovens do que o próprio planeta.

“Tal como a crisálida de uma borboleta, este satélite estava há muito adormecido e de repente tornou-se ativo, e os anéis emergiram“, diz Jack Wisdom, professor de ciências planetárias no MIT e autor principal do novo estudo.

Os coautores do estudo incluem Rola Dbouk do MIT, Burkhard Militzer da Universidade da Califórnia em Berkeley, William Hubbard da Universidade do Arizona, Francis Nimmo e Brynna Downey da Universidade da Califórnia em Santa Cruz e Richard French de Wellesley College.

Um momento de progresso

No início dos anos 2000, os cientistas propuseram a ideia de que o eixo inclinado de Saturno é o resultado do planeta estar preso numa ressonância, ou associação gravitacional, com Neptuno. Mas as observações feitas pela nave espacial Cassini da NASA, que orbitou Saturno de 2004 a 2017, colocaram uma nova reviravolta no problema.

Os cientistas descobriram que Titã, o maior satélite de Saturno, estava a afastar-se de Saturno a uma velocidade de cerca de 11 centímetros por ano. A rápida migração de Titã, e a sua atração gravitacional, levaram os cientistas a concluir que a lua era provavelmente responsável pela inclinação e manutenção de Saturno em ressonância com Neptuno.

Mas esta explicação depende de um grande desconhecido: o momento de inércia de Saturno, que é a forma como a massa é distribuída no interior do planeta. A inclinação de Saturno poderia comportar-se de forma diferente, dependendo de a matéria estar mais concentrada no seu núcleo ou mais para a superfície. “Para progredir no problema, tivemos de determinar o momento de inércia de Saturno”, diz Wisdom.

O elemento perdido

No seu novo estudo, Wisdom e colegas procuraram determinar o momento de inércia de Saturno utilizando algumas das últimas observações feitas pela Cassini no seu “Grande Final”, uma fase da missão durante a qual a nave espacial fez uma passagem extremamente próxima para mapear com precisão o campo gravitacional em torno de todo o planeta. O campo gravitacional pode ser utilizado para determinar a distribuição de massa no planeta.

Wisdom e colegas modelaram o interior de Saturno e identificaram uma distribuição de massa que correspondia ao campo gravitacional que a Cassini observou. Surpreendentemente, descobriram que este momento de inércia recentemente identificado colocou Saturno perto, mas mesmo para lá da ressonância com Neptuno.

Os planetas podem ter estado uma vez em sincronia, mas já não estão. “Depois fomos à caça de formas de tirar Saturno da ressonância com Neptuno”, diz Wisdom.

A equipa realizou primeiro simulações para fazer evoluir a dinâmica orbital de Saturno e das suas luas para trás no tempo, para ver se alguma instabilidade natural entre os satélites existentes poderia ter influenciado a inclinação do planeta. Esta investigação não deu em nada.

Assim, os investigadores reexaminaram as equações matemáticas que descrevem a precessão de um planeta, que é como o eixo de rotação de um planeta muda ao longo do tempo. Um termo nesta equação tem contribuições de todos os satélites. A equipa argumentou que se um satélite fosse retirado desta soma, poderia afetar a precessão do planeta.

A questão era, quão massivo teria de ser aquele satélite, e que dinâmica teria de ter para tirar Saturno da ressonância com Neptuno?

Wisdom e colegas correram simulações para determinar as propriedades de um satélite, tais como a sua massa e raio orbital, e a dinâmica orbital que seria necessária para tirar Saturno da ressonância.

Concluem que a atual inclinação de Saturno é o resultado da ressonância com Neptuno e que a perda do satélite, Crisálida, que tinha aproximadamente o tamanho de Jápeto, a terceira maior lua de Saturno, permitiu-lhe escapar à ressonância.

Algures há cerca de 200 a 100 milhões de anos, Crisálida entrou numa zona orbital caótica, passou por uma série de encontros próximos com Jápeto e Titã e acabou por se aproximar demasiado de Saturno, num encontro rasante que rasgou o satélite em pedaços, deixando uma pequena fração a orbitar o planeta como um anel de escombros.

A perda de Crisálida, descobriram, explica a precessão de Saturno e a sua atual inclinação, bem como a formação tardia dos seus anéis.

“É uma história muito boa, mas como qualquer outro resultado, terá de ser examinada por outros”, diz Wisdom. “Mas parece que este satélite perdido era apenas uma pupa, à espera de ter a sua instabilidade“.

// CCVAlg

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