Ibizagate em julgamento: Antigo vice-chanceler austríaco julgado por corrupção

Escândalo Ibizagate chega a tribunal dois anos após a divulgação do vídeo que comprometeu politicamente Heinz-Christian Strache, então líder do partido de extrema-direita FPÖ e que viria a tornar-se vice-chanceler. Investigações também implicam o atual chefe de governo, Sebastian Kurz, que também terá de se apresentar perante a justiça.

Dois anos após o escândalo que abalou a política austríaca — com direito a demissão do governo —, teve início esta semana o julgamento de Heinz-Christian Strache, antigo vice-chanceler e líder da extrema-direta no país.

Na origem da acusação (e da polémica) está um vídeo filmado em 2017, em que Strache é apanhado a prometer contratos públicos à sobrinha de um oligarca russo em troca de apoios para a campanha do Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) para as eleições seguintes numa plataforma anti-imigração e anti-Islão.

O resultado do ato eleitoral de 2019, discutido no conteúdo do vídeo, ditou um governo formado pelo Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) e pelo Partido Popular Austríaco (ÖVP), de Sebastian Kurz — atual chanceler.

O video em causa, que só foi publicado em Maio de 2019 pela revista alemã Der Spiegel e pelo jornal Süddeutsche Zeitung, retrata uma armadilha montada com o objetivo de incriminar Strache.

No vídeo é também captada uma conversa sobre o financiamento ilegal dos partidos políticos por parte de empresários e sobre a possibilidade de a sobrinha do oligarca adquirir o maior tabloide do pais, o Kronen Zeitung, de forma a influenciar a sua linha editorial — mais próxima da ideologia do FPÖ.

A publicação do vídeo teve várias consequências. Primeiramente, Strache apresentou a sua demissão de todos os cargos políticos que ocupava até então, defendendo-se com um estado de embriaguez e criticando os autores do vídeo.

Nas eleições europeias de 2019 (realizadas semanas depois da publicação do vídeo), o FPÖ perdeu um dos quatro eurodeputados que tinha e iniciava uma moção de censura ao governo do qual fazia parte, motivando a convocação de eleições antecipadas — que seriam ganhas novamente pelo ÖVP, desta feita coligado com os Verdes. O Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) perdeu 20 deputados.

Ondas de choque chegaram a Sebastian Kurz

No âmbito das investigações resultantes da publicação do vídeo, estão a decorrer 12 processos na justiça, alguns dos quais motivaram mesmo a apreensão dos telemóveis de vários políticos— entre os quais, Strache.

Segundo o Diário de Notícias, terão sido encontradas mensagens que revelam que, durante a sua passagem pelo governo, o antigo vice-chanceler terá influenciado uma mudança de lei para ajudar um financiador do FPÖ (Walter Grubmüller), que terá pago dez mil euros, a garantir fundos públicos para o seu hospital privado. Caso se confirmem as suspeitas de corrupção, Strache pode ser condenado a cinco anos de prisão.

Ainda assim, o Ibizagate, nome pela qual ficou conhecida a polémica por o vídeo em causa ter sido gravado em Ibiza, e as suas consequências fizeram-se sentir para além da extrema-direita austríaca.

Também Sebastian Kurz terá que se apresentar à justiça por suspeitas de falso testemunho numa comissão parlamentar que investigava o escândalo.

Em causa está a nomeação de um amigo, Thomas Schmid, como administrador da holding estatal ÖBAG — que administra a as participações da Áustria numa série de empresas. Durante a audição, Kurz negou qualquer envolvimento no processo de escolha, mas mensagens encontradas no seu telemóvel — como “Vais ter tudo o que queres”, seguida de três emojis de beijos — que teve Schmid como destinatário, sugerem o contrário. Schmid, entretanto, demitiu-se.

Caso a acusação de Sebastian Kurz se confirme, o chanceler incorre numa pena de três anos de prisão. Em termos políticos, Kurz enfrentará pressões para se demitir, algo que se recusa fazer de antemão, com os Verdes a absterem-se de revelar qual será a sua posição caso a condenação seja confirmada.

O Partido Social-Democrata (o maior da oposição e segundo nas sondagens atrás do ÖVP), por sua vez, defende que uma acusação formal seria uma “linha vermelha” .

Até agora, apenas um indivíduo foi detido na sequência do Ibizagate, Julian Hessenthaler, um detetive privado que terá ajudado a montar o esquema e que foi acusado de crimes de drogas — arriscando-se a uma pena de prisão de 15 anos.

Em declarações ao Financial Times, Hessenthaler afirmou que o seu envolvimento na armadilha se deveu a natureza corrupta inerente à política austríaca.

“Eu queria mostrar o quão fácil é envolver um político de topo num negócio corrupto… Mostrei que até com um orçamento pequeno se pode comprometer um político que pouco tempo depois acabaria por se tornar vice-chanceler.”

Strache: A queda de um símbolo político

Heinz-Christian Strache tem sido uma figura da política austríaca há quase três décadas, desde que se juntou ao Partido da Liberdade da Áustria como vereador municipal.

Após uma rápida ascensão dentro das estruturas internas, tornou-se líder do partido em 2005 — cargo que exerceu durante 14 anos, fazendo dele um dos políticos com mais tempo na liderança de um partido político na história moderna da Áustria.

Em 2007, o seu mandato foi abalado por uma polémica provocada pela divulgação de fotos onde Strache podia ser visto a participar, durante a sua adolescência, em exercícios paramilitares.

Paralelamente, meios de comunicação alemães e austríacos também noticiaram a ligação do político a grupos neo-nazis. Apesar da gravidade das acusações (que Strache negou), poucas consequências políticas resultaram das revelações.

Sob o comando de Strache, o Partido da Liberdade da Áustria reforçou o seu discurso anti-Islão, pelo qual é conhecido atualmente, tal como comprovam os slogans “Viena não se pode transformar em Istambul” ou “A pátria sobre o Islão”).

Apresentando-se como uma figura ‘politicamente incorreta’, Strache construiu a sua persona política baseada na imagem de homem comum com quem se pode conversar ao mesmo tempo que se bebe uma cerveja, escreve a versão europeia do site Politico. As redes sociais eram o principal meio que utilizava para chegar aos eleitores, sendo que a sua página de Facebook chegou a ter 800 mil fãs, quase um décimo da população do país.

Apesar das revelações resultantes do Ibizagate terem sido desvalorizadas pelo eleitorado do FPÖ, o mesmo não se pode dizer em relação às novas acusações que surgiram nos meses seguintes. Entre as quais, o uso indevido de fundos do partido por Strache para financiar o seu estilo de vida exuberante – algo que o próprio classificou como “mentiras fabricadas”.

Apesar de ter anunciado o abandono da política aquando da sua demissão, em 2019, Heinz-Christian Strache não resistiu a tentar um regresso nas eleições municipais de Viena, no ano passado, tendo conseguido o voto de eleitores que consideraram a polémica em torno do caso Ibizagate injusta.

Mesmo assim, foi um regresso fracassado, já que o antigo vice-chanceler conseguiu apenas 3.3% dos votos, abaixo dos 5% necessários para que uma força política possa entrar na Assembleia de Viena.

ARM, ZAP //

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