Tirando vantagem de um eclipse lunar total, astrónomos usaram o Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA para detetar ozono na atmosfera da Terra.
Este método serve como um substituto de como vão observar planetas semelhantes à Terra em torno de outras estrelas à procura de vida. Esta é a primeira vez que um eclipse lunar total foi capturado a partir de um telescópio espacial e a primeira vez que tal eclipse foi estudado em comprimentos de onda ultravioleta.
Para se prepararem para a investigação exoplanetária com telescópios maiores que estão atualmente em desenvolvimento, os astrónomos decidiram realizar experiências muito mais perto de casa, no único planeta terrestre habitado conhecido: a Terra. O alinhamento perfeito do nosso planeta com o Sol e a Lua durante um eclipse lunar total imita a geometria de um planeta rochoso em trânsito com a sua estrela.
Num novo estudo, o Hubble não olhou para a Terra diretamente. Em vez disso, os astrónomos usaram a Lua como um espelho que reflete a luz do Sol que foi filtrada pela atmosfera da Terra. A utilização de um telescópio espacial para observações de eclipses é mais “limpa” do que estudos terrestres porque os dados não estão contaminados como quando se olha através da atmosfera da Terra.
Estas observações foram particularmente desafiadoras porque pouco antes do eclipse a Lua é ainda muito brilhante, e a sua superfície não é um refletor perfeito, pois está “manchada” com áreas claras e escuras. Além disso, a Lua está tão perto da Terra que o Hubble teve que tentar manter um olho fixo numa região selecionada, para rastrear com precisão o movimento da Lua em relação ao observatório espacial. É por estas razões que o Hubble muito raramente é apontado para a Lua.
As medições detetaram a forte impressão digital espectral do ozono, um pré-requisito chave para a presença – e possível evolução – da vida como a conhecemos numa exo-Terra. Embora algumas assinaturas do ozono tenham sido detetadas em anteriores observações terrestres durante eclipses lunares, o estudo do Hubble representa a deteção mais forte até à data da molécula porque o telescópio espacial pode observar no ultravioleta, comprimento de onda este que é absorvido pela nossa atmosfera e não atinge o solo. Na Terra, a fotossíntese ao longo de milhares de milhões de anos é responsável pelos altos níveis de oxigénio e pela espessa camada de ozono do nosso planeta.
Há apenas 600 milhões de anos, a atmosfera da Terra acumulou ozono suficiente para proteger a vida da radiação ultravioleta letal do Sol. Isto auxiliou as primeiras formas de vida terrestre quando migraram para fora dos nossos oceanos.
“Encontrar ozono no espectro de uma exo-Terra seria significativo porque é um subproduto fotoquímico do oxigénio molecular, que é um subproduto da vida,” explicou Allison Youngblood do Laboratório de Física Atmosférica e Espacial no estado norte-americano do Colorado, EUA, investigadora principal das observações do Hubble.
O Hubble registou a assinatura espectral ultravioleta do ozono impressa na luz do Sol filtrada pela atmosfera da Terra durante um eclipse lunar que ocorreu a 20-21 de janeiro de 2019. Vários outros telescópios também fizeram observações espectroscópicas noutros comprimentos de onda durante o eclipse, em busca de mais ingredientes da vida na Terra, como oxigénio, metano, água e monóxido de carbono.
“Para caracterizar completamente os exoplanetas, vamos idealmente utilizar uma variedade de técnicas e comprimentos de onda,” explicou o membro da equipa Antonio Garcia Munoz da Universidade Técnica de Berlim, na Alemanha. “Esta investigação destaca claramente os benefícios da espectroscopia ultravioleta na caracterização de exoplanetas. Também demonstra a importância de testar ideias e metodologias inovadoras com o único planeta habitado que conhecemos até à data!”
As atmosferas de alguns exoplanetas podem ser estudadas quando o mundo alienígena atravessa a face da sua estrela-mãe, durante o chamado trânsito. Durante um trânsito, a luz estelar é filtrada pela atmosfera do exoplaneta retroiluminado. Se visto de perto, a silhueta do planeta pareceria ter um “halo” fino e brilhante em seu redor, provocado pela atmosfera iluminada, assim como a Terra é vista do espaço.
As substâncias químicas na atmosfera deixam a sua assinatura reveladora ao filtrarem certas cores da luz das estrelas. A espectroscopia das atmosferas dos planetas em trânsito foi iniciada por astrónomos do Hubble. Isto foi especialmente inovador porque os exoplanetas ainda não haviam sido descobertos quando o Hubble foi lançado em 1990. Portanto, o observatório espacial não foi inicialmente projetado para tais experiências.
Até agora, os astrónomos usaram o Hubble para observar a atmosfera de planetas gigantes gasosos que transitam as suas estrelas. Mas os planetas terrestres são objetos muito mais pequenos e a sua atmosfera também é mais fina.
Portanto, a análise destas assinaturas é muito mais difícil.
É por isso que os cientistas vão precisar de telescópios espaciais muito maiores do que o Hubble para recolher a débil luz estelar que passa pela atmosfera destes pequenos planetas durante um trânsito. Estes telescópios vão precisar de observar planetas por um período mais longo, talvez muitas dúzias de horas, para construir um sinal forte.
Para o estudo de Youngblood, o Hubble passou cinco horas a recolher dados ao longo das várias fases do eclipse lunar. Encontrar ozono nos céus de um exoplaneta terrestre não garante a existência de vida à superfície.
“Precisaríamos de outras assinaturas espectrais além do ozono para concluir que havia vida no planeta, e estas assinaturas não podem ser vistas no ultravioleta,” diz Youngblood.
Os astrónomos têm que procurar uma combinação de bioassinaturas, como ozono e metano, ao explorar as possibilidades de vida. É necessária uma campanha em vários comprimentos de onda porque muitas bioassinaturas – ozono, por exemplo – são detetadas mais facilmente em comprimentos de onda específicos.
Os astrónomos em busca do ozono também devem ter em conta que este elemento se acumula com o tempo, conforme o planeta evolui. Há cerca de 2 mil milhões de anos, na Terra, o ozono era uma fração do que é agora.
O futuro Telescópio Espacial James Webb da NASA/ESA/CSA, um observatório infravermelho com lançamento previsto para 2021, será capaz de penetrar profundamente na atmosfera de um planeta para detetar metano e oxigénio.
“Esperamos que o JWST leve a técnica de espectroscopia de transmissão das atmosferas exoplanetárias a limites sem precedentes,” acrescentou Garcia Munoz.
“Em particular, terá a capacidade de detetar metano e oxigénio nas atmosferas de exoplanetas íntimos, orbitando perto de estrelas pequenas. Isto abrirá o campo da caracterização atmosférica a exoplanetas cada vez menores.”
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