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Em Nova Iorque, a vacinação obrigatória para profissionais de saúde está a resultar. Mas a falta de pessoal está a ameaçar o sistema

Giuseppe Lami / EPA

Desde que o mandato foi anunciado, a taxa de vacinação entre os profissionais de saúde do estado de Nova Iorque aumentou. No entanto, os diretores dos hospitais lutam para garantir a substituição daqueles que preferiram deixar a sua função a vacinar-se contra a covid-19.

Na última semana, o hospital Erie County Medical Center, na cidade de Buffalo, pertencente ao estado de Nova Iorque, registou o seu recorde de ocupação: 533 pacientes numa estrutura com 573 camas. Ao contrário do que se poderia pensar, tal marca não aconteceu devido a um ressurgimento da pandemia da covid-19 naquela região. Aconteceu sim devido ao mandato emitido por Andrew Cuomo, anterior governador do estado de Nova Iorque, segundo o qual todos os profissionais de saúde devem estar vacinados contra a covid-19 sob pena de não poderem exercer as suas funções. Foi o primeiro a fazê-lo, mas muitos governadores seguiram-lhe os passos.

“Nós apoiamos o mandato”, afirma Tom Quatroche, presidente e diretor da unidade hospitalar. No entanto, “pedimos constantemente mais tempo para nos organizarmos, juntamente com o estado, ao nível da resposta aos efeitos e à realidade que o mandato” veio introduzir.

Esta semana foi a primeira em que a obrigatoriedade entrou em vigor, o que significou que um quinto do pessoal médico do estado de Nova Iorque entrou em regime de “baixa sem vencimento”, ou seja, aqueles que recusaram a vacina. A principal e imediata consequência fez-se sentir no sistema como as peças de um jogo de dominó em queda. “A falta de pessoal resultou no fecho de unidades de cuidados continuados, o que dificulta a prescrições de altas médicas, com os doentes a permanecerem nas enfermarias e a ocupar camas que seriam precisas para as novas urgências”, explicou Quatroche.

Tal como aponta o The Guardian, na base deste problema que muitos hospitais de Nova Iorque enfrentam — e que outros no resto do país se preparam para enfrentar também — estão, a começar no mandato, a dificuldade em contratar e a hesitação do pessoal médico em vacinar-se. O condado de Erie pode representar um caso extremo, mas está longe de ser exemplo único. De acordo com os dados oficiais, 87% dos trabalhadores do setor da saúde do estado vacinaram-se — números recolhidos até à última quarta-feira.

Para o professor de Direito da Universidade de Georgetown Lawrence Gostin, os profissionais que optaram por não o fazer não dispõem de muitos argumentos para se defenderem. O docente é da opinião que os mandatos são “necessários, urgentes, éticos e, acima de tudo, legais“, acrescentando ainda que não há registo de que no passado medidas semelhantes — como a obrigatoriedade da vacina contra a gripe — ter gerado insuficiência de pessoal médico nos hospitais.

“É verdade que tudo o que está relacionado com a covid-19 tem sido politizado. Mas isso não muda os factos científicos e os factos científicos são que as vacinas contra a covid-19 são tão seguras como as vacinas contra a gripe e muito mais eficazes. A covid-19 é também muito mais perigosa que a gripe.

Apesar de terem entrado em vigor há pouco tempo (na última segunda-feira), os mandatos parecem estar já a sortir efeito em Nova Iorque. Segundo Kathy Hochul, governadora democrata que assumiu recentemente o cargo, a vacinação entre trabalhadores de lares de idosos aumentou de 70 para 92% — entretanto, um processo judicial entregue na justiça a solicitar uma “exceção religiosa” para estes trabalhadores determinou que, os que se enquadrem nesta situação, poderão continuar a trabalhar até 12 de outubro.

A primeira rede de hospitais no país a implementar um regime de obrigatoriedade no que respeita à vacinação contra a covid-19 detém oito hospitais no Texas, tendo alcançado uma taxa de vacinação de 99% entre os seus 26 mil funcionários em junho. Isto quer dizer que apenas 150 trabalhadores foram dispensados — assim como um processo judicial destinado a impedir o mandato. Na Carolina do Norte, outra rede de hospitais teve uma experiência semelhante, com apenas 1% dos funcionários a recusar a vacina.

Apesar dos números deixarem pouco espaço para dúvidas, a indústria não deixa de ficar “nervosa” com estas movimentações. Os últimos dois anos foram extremamente difíceis e os trabalhadores estão desgastados. Por outro lado, há agências de recrutamento a exigir entre 150 a 200 dólares por hora como requisito para a contratação de enfermeiros, explicou Tom Quatroche.

“Ao mesmo tempo que a importância de ter todos os profissionais de saúde vacinados é inquestionável, este problema surge numa altura em que muitos hospitais enfrentam falta de recursos humanos“, afirma Emerson-Shea, porta-voz da Associação Hospitalar da Califórnia. Neste momento, um mandato semelhante ao imposto no estado de Nova Iorque está a ser preparado pela Casa Branca e terá como destinatários todos os funcionários federais, onde se incluem, também, profissionais de saúde. Como tal, Shea considera difícil antecipar qual vai ser o comportamento destes.

“Cada hospital está a implementar os seus próprios procedimentos. É possível que alguns trabalhadores do setor da saúde escolham deixar o seu trabalho a vacinar-se”, considera.

Atualmente, mais de 64% dos americanos têm a vacinação completa e 55% tomaram pelo menos uma dose, segundo dados do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças norte-americano. Apesar de disporem de um grande número de vacinas, os Estados Unidos têm tido dificuldade em fazê-las chegar aos braços dos seus cidadãos, em grande parte devido à hesitação da população, ao negacionismo e às teorias da conspiração que são difundidas na internet — já para não falar que o assunto se tornou um tema indiscutivelmente político desde que Donald Trump ocupou a Sala Oval.

O país, tal como lembra o The Guardian, está atrás dos restantes países membros do G7 no que a inoculações diz respeito.

“O facto de termos politizado a vacina não altera a segurança ou a eficácia. Não altera a responsabilidade dos trabalhadores do setor da saúde em proteger os seus pacientes”, atira Laurence Gostin. “Se isso fosse verdade, então qualquer desinformação ou falsa crença seria suficiente para criar um risco para o sistema de saúde. E isso é insustentável“, descreve Gostin.

ZAP //

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