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ADN dos habitantes de São Tomé mostra impacto do tráfico transatlântico de escravos

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Equal Justice Initiative

Uma equipa de investigadores analisou a composição genética de habitantes de São Tomé, na qual identificou o contributo dos escravos oriundos do Senegal, Gâmbia, Nigéria e de Angola.

A mistura genética humana, envolvendo o contacto entre duas ou mais populações previamente isoladas, pode ser um processo complexo, influenciado pela dinâmica social.

Recentemente, uma equipa de investigadores reconstruiu as complexas histórias de mistura genética da população do arquipélago de São Tomé e Príncipe, no Golfo da Guiné, que sofreu sucessivas vagas de migração forçada e deliberada de África desde o século XV, durante e após o Tráfico Transatlântico de Escravos.

No decorrer do estudo, cujos resultados foram apresentados num artigo publicado na edição deste mês da revista Molecular Biology and Evolution, os investigadores identificaram o contributo dos escravos oriundos do Senegal, Gâmbia, Nigéria e de Angola na composição genética de habitantes do arquipélago são-tomense.

“Havia a ideia de que muitos escravos de São Tomé vinham de Angola, e que havia uma contribuição desproporcionada de pessoas escravizadas de Angola — que teriam contribuído para a composição genética de São Tomé”, explica Jorge Rocha, investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto e co-autor do estudo.

“Hoje sabemos que não é assim, sabemos que os escravos que foram levados para São Tomé têm uma origem dupla: uns vieram de Angola, uma grande parte, mas quase em idêntica parte também vieram do Golfo da Guiné, da região da Nigéria, que era o antigo reino do Benim”.

Segundo Jorge Rocha, “à medida que a indústria do açúcar e as plantações de cana do açúcar foram crescendo, e que Portugal estendia as suas relações diplomáticas com o Reino do Congo, muitas mais pessoas vieram do norte de Angola e do Congo e também contribuíram para a composição genética de São Tomé”.

No século XIX chegaram mais trabalhadores provenientes de outras colónias portuguesas, nomeadamente Angola, Moçambique e Cabo Verde, que ali foram submetidos a condições de servidão.

Para identificar a história genética de São Tomé, os investigadores analisaram o ADN de 100 habitantes da ilha.

No decorrer do estudo “ficou demonstrado o impacto das migrações forçadas e das dinâmicas sociais associadas à economia das plantações, que moldaram a diversidade genética da população atual de São Tomé”, nota o investigador.

“Os resultados genéticos estão de acordo com os registos históricos das principais rotas do tráfico de escravos e permitem reconstituir uma história de mestiçagens entre populações de diferentes regiões do continente africano, nomeadamente do Golfo da Guiné e de Angola”, lê-se no artigo.

“Também foram identificadas contribuições genéticas importantes associadas a migrações de trabalhadores após a abolição da escravatura, especialmente a partir de Cabo Verde”, escrevem os autores do estudo, que foi co-liderado por Jorge Rocha e Paul Verdu, investigador do Museu Nacional de História Natural da Universidade de Paris.

Os investigadores identificaram “marcas profundas” destas sucessivas migrações na genética dos habitantes de São Tomé, e encontraram cinco grupos genéticos distintos na ilha.

Os Angolares, descendentes de escravos fugitivos que viveram isolados durante séculos, os Forros, descendentes de escravos libertados que se tornaram a principal comunidade local após o declínio da economia açucareira, e ainda os Cabo-Verdianos, descendentes de trabalhadores contratados do arquipélago vizinho”.

Os outros dois grupos “resultam da fusão entre estas comunidades ao longo do tempo”, detalham os investigadores.

“Esta investigação mostra que as populações humanas não são blocos estáticos no tempo, mas sim o resultado de sucessivas misturas genéticas entre comunidades que já eram misturadas”, concluíram os autores do estudo.

ZAP // Lusa

2 Comments

  1. O título desta notícia é, no mínimo, infeliz. Apenas vos sigo pelo conteúdo Ciência, mas assim até fico na dúvida. Jornalismo-espectáculo dispenso.

    • Caro leitor,
      Obrigado pelo seu reparo.
      O título original da notícia era efetivamente infeliz, podendo dar a entender que o tráfico de escravos teria induzido alterações “lamarckianas” no ADN dos indivíduos e não no das populações. Foi alterado.

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