No final de um ano que viu a maternidade no centro de um debate aceso nos Estados Unidos (EUA), uma escola para mães adolescentes no Estado do Texas mostra como as vidas das jovens estão a ser transformadas.
Era o início de 2021 e Helen comia mais que o habitual. A jovem, prestes a completar 15 anos, não conseguia explicar por que o seu apetite parecia ter aumentado tanto.”Isso é normal?”, perguntou ela à sua irmã mais velha. Ela respondeu que talvez fosse. Mas Helen também andava mal-humorada, discutia facilmente com a família e com os amigos. Até que a sua menstruação atrasou.
No dia do seu aniversário, descobriu que estava grávida. Os seus amigos logo começaram a evitá-la, acusando-a de usar a gravidez para “conseguir rapazes”. O pai da criança, seu colega de turma, parou de falar com ela. Por fim, perto do final da gravidez, decidiu mudar de escola.
Vista de fora, a escola Lincoln Park tem a mesma aparência de qualquer outra do ensino secundário nos EUA – tijolos de argila, autocarros escolares estacionados e a bandeira norte-americana a balançar ao vento.
Mas, no lado interno, além dos sons dos adolescentes, pode-se ouvir o choro de bebés. Nas paredes, cartazes incentivam os jovens a irem para a universidade ficam ao lado de anúncios de serviços de gravidez e cursos para pais. E, ao lado do edifício principal, há uma creche.
A escola fica na cidade de Brownsville, no Texas, cidade norte-americana na fronteira com o México. É um dos últimos prestadores de um serviço educacional específico: ensinar mães adolescentes.
As taxas de natalidade entre os adolescentes nos EUA caíram nas últimas três décadas. Mas, entre as jovens de origem hispânica, segue sendo muito mais comum que para o restante da população. Os especialistas advertem que, após a decisão da de eliminar a proteção federal ao aborto, os números provavelmente vão aumentar.
Quase todas as alunas da escola secundária Lincoln Park, que atende exclusivamente mães adolescentes desde 2005, têm entre 14 e 19 anos. Todas são de origem latina – um reflexo dos 94% de população hispânica da cidade e das taxas mais altas de gravidez de adolescentes.
A maioria delas é de baixa receita e algumas nasceram nos EUA, moram no México e cruzam todos os dias a fronteira com a cidade de Matamoros, no Estado mexicano de Tamaulipas, para comparecer às aulas.
Helen referiu que se convenceu a mudar para Lincoln Park pela possibilidade de levar a sua bebé para escola.
Cerca de 70 alunas estão matriculadas na escola, mas esse número oscila ao longo do ano à medida que entram novas alunas grávidas e jovens mães preferem voltar às suas escolas anteriores após o parto.
Na época da visita da BBC à escola Lincoln Park, sete alunas com menos de 14 anos estavam matriculadas, além de três outras que tinham três crianças cada uma. O currículo escolar é exatamente o mesmo das outras escolas e as alunas também devem ser aprovadas nos exames.
Todos os autocarros escolares que transportam algumas das alunas têm cadeirinhas para os bebés. Pela manhã, as alunas podem usufruir do pequeno-almoço para si e para as crianças. E os bebés podem ficar na creche da escola, sem custos.
As alunas têm permissão para faltar no caso de terem consultas médicas. Numa das salas de aula, o professor de ciências tem um armário alto no canto, com roupas de bebés para as mães que precisarem.
Como Helen, Alexis tinha 15 anos de idade quando descobriu que estava grávida. Fez três testes de gravidez em casa e todos tiveram resultado positivo. Consultou um médico, que confirmou que a jovem esperava um menino.
“Foi muito difícil. Não queria sair da escola porque sabia que não era a forma certa de lidar com a situação”. Até que encontrou a escola Lincoln Park. O seu filho agora tem cerca de um ano de idade.
Dentro das salas de aula, existe um profundo senso de camaradagem e intimidade. É quase chocante para quem vem de fora, mas claramente muito natural para as alunas e para os funcionários.
Sentada na aula de matemática numa terça-feira de manhã, Alexis virou-se para contar ao seu professor, o Sr. Arredondo, que ela já havia se matriculado para o ano seguinte.
Alexis e as colegas olharam para a porta quando uma aluna chegou atrasada para a aula. Visivelmente perto do final da gravidez, andava lentamente, cambaleava um pouco. Todas as meninas sorriram e Alexis estendeu o braço para a colega quando ela chegou mais perto.
O professor Arredondo é a pessoa na sala com menos experiência de cuidar de crianças – pelo menos, em termos de experiência própria. Mas lecionou para tantas alunas grávidas que aprendeu algumas coisas.
Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), para cada 1.000 mulheres jovens com 15 a 19 anos de idade, 15 delas deram à luz em 2020. Os dados não incluem as taxas de natalidade de adolescentes com menos de 15 anos.
Mesmo com a queda geral no país, o Texas ainda está acima da média nacional e é sempre incluído entre os 10 estados norte-americanos com a maior taxa de gravidez de adolescentes. Em Brownsville, a gravidez de adolescentes representa 12% – mais de um em cada 10 partos da cidade.
Existem inúmeros fatores que causam aumento das taxas de gravidez de adolescentes. Mas, no Texas, alguns especialistas mencionam as rigorosas leis antiaborto do Estado e o fato de que a educação sexual não ser exigida nas escolas.
Chega a 58% o percentual das escolas públicas do Texas que ensinam educação sexual com base apenas na abstinência, enquanto 25% não têm aulas de educação sexual, segundo o grupo liberal de líderes comunitários e religiosos Texas Freedom Network.
“Enquanto não repassarmos essas informações, elas não receberão educação”, disse a diretora da escola Lincoln Park, Cynthia Cardenas. As jovens “não recebem a oportunidade de escolher se querem ou não as consequências”, referiu.
As adolescentes do Texas que ficam grávidas precisam enfrentar um sistema de saúde pública complexo para ter acesso à assistência médica ou enfrentar algumas das leis antiaborto mais rigorosas do país, se decidirem pôr fim à gravidez.
Viajar para fora do estado para realizar aborto, muitas vezes, não é uma opção viável para as mulheres de baixa renda, especialmente quando são menores de idade.
No início da gravidez, Helen considerou fazer um aborto ou dar sua filha para adoção. A sua mãe disse que apoiaria qualquer decisão que ela tomasse. Mas, no fim, depois que deu à luz e viu sua bebé, decidiu ficar com ela.
Falta apenas um ano para Helen formar-se no ensino médio. Ela sonha em ir para a faculdade e poder sustentar a filha. Mas, na verdade, apenas a metade das mães adolescentes conclui o ensino secundário e uma proporção ainda menor sai em busca do nível superior, segundo o CDC.
Estudos demonstram que a gravidez na adolescência é um fator de risco para a depressão. Mulheres que ficam grávidas na adolescência representam mais da metade das mães que recebem auxílio do governo.
A tensão da pobreza e da juventude enfrentada pelas mães da escola Lincoln Park faz com que algumas se desinteressem pela escola ou pensem que será impossível aumentar a sua formação com um filho para criar.
Cardenas almoça com as jovens na maioria dos dias. Como a maior parte delas está a um ano da formatura, a diretora pergunta se pretendem entrar para a universidade. “Eu já fui aceite numa escola, mas não acho que quero ir para a faculdade”, afirmou Angela, aluna nascida nos EUA que mora no México.
Ela cruza a fronteira todos os dias para vir a Lincoln Park, empurrando o seu bebé no carrinho ao longo da ponte para pedestres que separa Brownsville de Matamoros. Para ela, o dia começa às 05:00, quando ela vai para a fila da travessia, ao sul da fronteira. Às vezes, perde as aulas porque trabalha como empregada de limpeza para ajudar a sustentar a família.
Mas Alexis contou a Angela o que havia descoberto numa recente sessão de informações sobre a faculdade. “Lá, têm uma creche e, se os seus filhos forem quietos, o seu bebé pode ir para a aula contigo”, contou. “Talvez consigas um dormitório para toda a família, como um pequeno apartamento”, acrescentou.
Um dos objetivos da escola Lincoln Park é tentar “plantar a semente da faculdade” nas alunas, segundo Cardenas. “E que elas tenham sucesso e ensinem aos seus filhos que eles também têm uma saída”, indicou.
“Às vezes, não sabem como criar um bebé. Nós temos o seu futuro nas mãos como educadores. Precisamos fazer isso da forma certa”, sublinhou.
Mas a diretora no apoio às escolas como Lincoln Park, em meio às mudanças no cenário político e social depois da decisão da Suprema Corte norte-americana sobre o aborto.
Espera-se que a decisão cause impactos desproporcionais nas adolescentes, segundo o grupo de pesquisa norte-americano Child Trends. As jovens têm uma maior probabilidade de saber da gravidez mais tarde, mais dificuldade para encontrar apoio e uma probabilidade maior de necessitar de um aborto.
“Estive a pensar nas implicações da reversão do caso Roe x Wade”, afirmou Cardenas, referindo que as mulheres hispânicas estão entre os maiores grupos de procura pelo aborto nos EUA.
“A minha esperança é promover a educação sexual no fim do ensino básico e no ensino secundário e que nós, educadores, criemos um plano de ação para seguir se tivermos mais adolescentes a ter bebés” devido à da reversão do caso Roe x Wade, frisou a responsável.
“Não são muitos os distritos escolares que oferecem escolas como esta. Se me perguntar, é preciso? Sim. Mesmo se conseguirmos fazer a diferença na vida de 10 meninas, sim. São meninas que não conseguiriam passar numa escola tradicional”, contou ainda.
// BBC News