“Isto não pode estar certo”. Há um planeta com soluços à volta de uma petulante anã vermelha

Um jovem planeta que gira em torno de uma petulante estrela anã vermelha está a mudar de forma imprevisível, órbita a órbita.

Este planeta está tão próximo da sua estrela mãe que recebe um surto torrencial e consistente de energia, que evapora a sua atmosfera de hidrogénio – fazendo com que esta se desprenda do planeta.

Mas durante uma órbita observada com o Telescópio Espacial Hubble da NASA, o planeta pareceu não estar a perder qualquer material, enquanto numa outra órbita observada com o Hubble ano e meio depois mostrava sinais claros de perda atmosférica.

Esta extrema variabilidade entre órbitas chocou os astrónomos. “Nunca vimos a fuga atmosférica passar de completamente não detetável a muito detetável num período tão curto quando um planeta passa em frente da sua estrela”, disse Keighley Rockcliffe da Faculdade de Dartmouth em Hanover, no estado norte-americano de New Hampshire.

“Estávamos realmente à espera de algo muito previsível, repetível. Mas acabou por ser estranho. Quando vi isto pela primeira vez, pensei ‘Isto não pode estar certo‘”.

Rockcliffe ficou igualmente intrigada ao ver, quando era detetável, a atmosfera do planeta a sair à frente do planeta, como um farol de um comboio em andamento rápido.

“Esta observação francamente estranha é uma espécie de teste de esforço para a modelagem e para a física da evolução planetária. Esta observação é tão fascinante porque estamos a conseguir sondar esta interação entre a estrela e o planeta que é realmente extrema”, disse.

Localizada a 32 anos-luz da Terra, a estrela mãe AU Microscopii (AU Mic) alberga um dos sistemas planetários mais jovens alguma vez observados. A estrela tem menos de 100 milhões de anos (uma pequena fração da idade do nosso Sol, que tem 4,6 mil milhões de anos).

O planeta mais interior, AU Mic b, tem um período orbital de 8,46 dias e está a apenas 9,6 milhões de quilómetros da estrela (cerca de 1/10 da distância do planeta Mercúrio ao nosso Sol). O mundo gasoso e inchado tem cerca de quatro vezes o diâmetro da Terra.

AU Mic b foi descoberto pelos telescópios espaciais Spitzer e TESS da NASA em 2020. Foi detetado através do método de trânsito, o que significa que os telescópios podem observar uma ligeira diminuição do brilho da estrela quando o planeta passa à sua frente.

As anãs vermelhas como AU Microscopii são as estrelas mais abundantes da nossa Galáxia, a Via Láctea. Por conseguinte, devem albergar a maioria dos planetas da nossa Galáxia. Mas poderão os planetas como AU Mic b, que orbitam estrelas anãs vermelhas, ser hospitaleiros para a vida?

Um dos principais desafios é o facto de as anãs vermelhas jovens terem ferozes erupções estelares que libertam radiação devastadora. Este período de grande atividade dura muito mais tempo do que o de estrelas como o nosso Sol.

As erupções são alimentadas por campos magnéticos intensos que ficam emaranhados devido aos movimentos da atmosfera estelar.

Quando o emaranhado se torna demasiado intenso, os campos quebram-se e voltam a ligar-se, libertando enormes quantidades de energia que são 100 a 1000 vezes mais energéticas do que o nosso Sol liberta nas suas explosões.

É um espetáculo de fogo de artifício de ventos torrenciais, erupções e raios X que atingem os planetas que orbitam perto da estrela. “Isto cria um ambiente de ventos estelares muito descontrolado e, francamente, assustador, que está a afetar a atmosfera do planeta”, disse Rockcliffe.

Nestas condições tórridas, os planetas que se formam nos primeiros 100 milhões de anos após o nascimento da estrela devem sofrer a maior quantidade de fuga atmosférica. Isto pode acabar por despojar completamente um planeta da sua atmosfera.

“Queremos descobrir que tipos de planetas podem sobreviver a estes ambientes. Qual será o seu aspeto final quando a estrela assentar? E haverá alguma hipótese de habitabilidade, ou acabarão por ser planetas ‘queimados’?“, disse Rockcliffe.

“Será que acabam por perder a maior parte das suas atmosferas e os seus núcleos sobreviventes tornam-se super-Terras? Não sabemos realmente como são essas composições finais porque não temos nada parecido com isso no nosso Sistema Solar”, acrescentou a astrónoma.

Embora o brilho da estrela impeça o Hubble de ver o planeta diretamente, o telescópio pode medir as alterações no brilho aparente da estrela causadas pelo hidrogénio que foge do planeta e que escurece a luz da estrela quando o planeta transita. Esse hidrogénio atmosférico foi aquecido ao ponto de escapar à gravidade do planeta.

As mudanças nunca antes vistas no fluxo atmosférico de AU Mic b podem indicar uma variabilidade rápida e extrema nos surtos da anã vermelha hospedeira. Há tanta variabilidade porque a estrela tem muitas linhas de campo magnético.

Uma possível explicação para a ausência de hidrogénio durante um dos trânsitos do planeta é que uma poderosa erupção estelar, observada sete horas antes, pode ter fotoionizado o hidrogénio em fuga ao ponto deste se tornar transparente à luz, não sendo assim detetável.

Outra explicação é que o próprio vento estelar está a moldar o fluxo planetário, tornando-o observável nalgumas alturas e não observável noutras, fazendo mesmo com que parte do fluxo “soluce” à frente do próprio planeta.

Este fenómeno está previsto em alguns modelos, como os de John McCann e Ruth Murray-Clay, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, mas este é o primeiro tipo de evidência observacional de que tal acontece e num grau tão extremo, dizem os investigadores.

As observações de acompanhamento, pelo Hubble, de mais trânsitos de AU Mic b deverão fornecer pistas adicionais sobre a estranha variabilidade da estrela e do planeta, testando ainda mais os modelos científicos do escape e da evolução da atmosfera exoplanetária.

Rockcliffe é a autora principal do artigo científico publicado na revista The Astronomical Journal.

// CCVAlg

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.