Descoberta enorme reserva de água potável escondida sob o Oceano Atlântico

Perfurações ao largo de Cape Cod revelaram vastos aquíferos submarinos que podem transformar o futuro do abastecimento de água e mudar o Mundo. “Foi um momento eureka”.

Em 1976, durante uma busca por petróleo e gás ao largo da costa leste dos EUA, uma equipa de cientistas deparou-se com algo muito mais inesperado do que hidrocarbonetos.

Debaixo das águas salgadas do Atlântico, a água doce escorria dos núcleos de sedimentos que recolhiam. Ninguém sabia ao certo como interpretar aquilo. Seria um acaso isolado, ou um indício de algo muito maior?

Meio século depois, o mistério regressa em força à ordem do dia. Este verão, uma equipa internacional de cientistas, a bordo de um navio de perfuração ao largo de Cape Cod, encontrou milhares de litros de água doce das profundezas do subsolo marinho.

A Expedição 501, como foi batizada, poderá ter confirmado a existência de um dos maiores aquíferos ocultos do planeta, que se estende por uma distância semelhante à que separa o Porto de Faro.

“É um dos últimos lugares onde alguém imaginaria encontrar água doce na Terra”, afirmou à Associated Press Brandon Dugan, geofísico e hidrólogo na Colorado School of Mines, e um dos líderes da expedição — que contou com a participação do sedimentologista português Davide Gamboa, da Universidade de Aveiro.

Calcula-se que haja água suficiente neste aquífero submarino para abastecer uma cidade como Nova Iorque durante séculos. A descoberta levanta a possibilidade de, no futuro, perfurarmos em busca de água potável no fundo do mar, de forma não muito diferente do que se faz hoje com o petróleo e o gás.

Uma reserva secreta de água debaixo das ondas

O oceano cobre 70% do planeta, mas o que se esconde sob os seus fundos permanece em grande parte desconhecido — por razões óbvias.

Há muito que os cientistas suspeitam que os aquíferos costeiros em terra se prolongam para o mar, retendo água doce ou “adoçada” aprisionada há milhares de anos. Até agora, porém, ninguém tinha perfurado de forma sistemática o fundo marinho para testar essa hipótese, nota o ZME Science.

A Expedição 501 foi lançada precisamente com esse objetivo. Entre maio e julho de 2025, os investigadores usaram a plataforma Liftboat Robert, normalmente ao serviço de sondagens petrolíferas, para perfurar sedimentos ao largo da costa de Massachusetts.

A quase 400 metros de profundidade, encontraram água com níveis de salinidade tão baixos como 1 parte por mil — comparável a muitas fontes de água doce em terra firme.

“Quatro partes por mil foi um momento eureka“, diz Dugan.

“Até agora, sabemos muito pouco sobre a dinâmica destes sistemas aquíferos que atravessam o litoral e sobre a idade da água que contêm, e ainda menos sobre a forma como influenciam o ciclo de nutrientes, elementos traço e os seus isótopos”, disse em maio a geoquímica ambiental Karen Johannesson, investigadora da Universidade de Massachusetts e co-líder científica da expedição, em comunicado.

O desafio é enorme. As Nações Unidas alertam que, até 2030, a procura global de água doce poderá ultrapassar a oferta em 40%.

Atualmente, sistemas informáticos de alta performance, como os que são usados nas plataformas de IA, consomem milhares de milhões de litros de água para arrefecer servidores — uma pressão que, com a atual corrida à Inteligência Artificial, tende a aumentar.

Além disso, a subida do nível do mar está a salinizar os aquíferos costeiros. E cidades como a Cidade do Cabo ou Jacarta já estiveram à beira do chamado “Dia Zero”, o pesadelo de abrir a torneira e não sair água.

Agora, os cientistas questionam-se se os aquíferos submarinos poderão tornar-se reservas de emergência para sociedades sedentas. Estimativas preliminares sugerem que o aquífero agora encontrado poderia abastecer Nova Iorque durante centenas de anos, e depósitos semelhantes poderão existir ao largo de África, da Ásia e noutras regiões.

Promessas e riscos

Antes de se pensar em canalizar esta água antiga para terra, os investigadores têm de responder a perguntas cruciais. De onde veio? Algumas hipóteses apontam para o degelo de glaciares há cerca de 450 mil anos.

Outras teorias sugerem que terá sido água da chuva infiltrada em sedimentos quando o nível do mar era mais baixo.

Se a água for “jovem”, poderá significar que os aquíferos ainda se recarregam e são renováveis. Se for antiga, o abastecimento será finito. Assim, é essencial determinar a idade desta água.

Há ainda a questão biológica. “Este é um ambiente totalmente novo, que nunca foi estudado”, disse à AP a bióloga Jocelyne DiRuggiero, da Universidade Johns Hopkins.

A investigadora alerta que a água poderá conter minerais nocivos ou microrganismos, embora processos semelhantes sejam precisamente os que formam os aquíferos de água potável que usamos em terra.

ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.