Um total de dez candidatos vão disputar as eleições presidenciais russas de março contra Vladimir Putin, cuja reeleição está praticamente assegurada. Boris Nadezhdin é o único a usar a campanha para criticar a guerra na Ucrânia e os problemas sociais que o país atravessa.
Com oito dos 11 candidatos autorizados pela Comissão Eleitoral para as eleições de 15 a 17 de março ainda a recolher assinaturas, e apenas três com candidatura oficializada, o interesse da população na campanha é escasso.
A opinião dominante entre os russos é a de que Putin continuará no poder, que ocupa desde 1999, como Presidente ou primeiro-ministro.
Vladimir Putin, que se apresenta como candidato independente, tem 71 anos. Ex-oficial da KGB, chegou ao poder quando Boris Ieltsin o nomeou primeiro-ministro e, quase logo a seguir, seu sucessor. Assumiu oficialmente a presidência após as eleições de 2000.
Dado o poder acumulado ao longo de um quarto de século de liderança, Putin não tem concorrência à altura nestas eleições, perante candidatos de pouco peso político.
Com 60 anos e membro da Iniciativa Civil, Boris Nadezhdin é o único candidato presidencial que se manifestou contra a “operação militar especial”, ou seja, a guerra na Ucrânia, além de criticar repetidamente a atual governação.
Quem é Boris Nadezhdin
Nascido em Tashkent, capital do Uzbequistão, Boris Nadezhdin é formado em Física e Direito. O início da sua carreira política data de 1990, como membro do Conselho Municipal de Deputados do Povo de Dolgoprudni, pequena cidade dos arredores da capital.
Em 1997, aparece como conselheiro de Boris Nemtsov, participou na redacção dos estatutos da Gazprom, bem como de outras empresas do setor energético. No ano seguinte, é nomeado assistente do primeiro-ministro, Serguei Kiriyenko.
No seu programa eleitoral promete libertar os presos políticos, pôr termo à guerra e restabelecer as relações com os países vizinhos.
“Estou mais calmo, propenso a compromissos. Tentei até ao fim cooperar com as autoridades, conseguir algo delas. Mas a desilusão veio em 2020, quando introduziram alterações à Constituição. Com o início da ‘operação especial’ não há mais nada a dizer”, declarou Nadezhdin à imprensa a 23 de janeiro.
Com o mais destacado oposicionista russo, Alexei Navalny, detido numa prisão de alta segurança, e o mais jovem Vladimir Kara-Murza condenado no ano passado a 25 anos de cadeia, a oposição ao Kremlin debate-se com dificuldades para encontrar uma figura de referência, papel que cabe cada vez mais a Nadezhdin.
Nadezhdin anunciou na terça-feira que já recolheu mais de 100 mil assinaturas, número necessário para se registar oficialmente como candidato às eleições, e o site informativo russo Bloknot considera-o o primeiro teste verdadeiramente sério de força da oposição russa a Vladimir Putin, dentro do país e também a exilada.
Slutski provavelmente segundo
Com 56 anos, Leonid Slutski é membro do Partido Liberal Democrática do Rússia e iniciou-se na política como chefe de sector do Presidium do Soviete Supremo da Federação da Rússia, tendo sido depois conselheiro do edil de Moscovo. Foi co-autor, em 2009, do projeto-lei que criminaliza a reabilitação do nazismo.
Há três anos, a editora-chefe do canal televisivo RTVI, Ekaterina Kotrikadze, a produtora do canal de TV Dozhd, Daria Zhuk, e a jornalista do serviço russo da BBC, Farida Rustamova, acusaram Slutsky de assédio sexual. O político considerou as acusações “absurdas”, parte de uma “campanha personalizada”.
Alguns especialistas acreditam que Slutski poderá ficar em segundo lugar nas eleições, opinião corroborada pelo site informativo russo Meduza, publicado em Riga.
“Hoje, a operação militar especial não é uma operação de conquistadores, mas de reconquistadores, para reconquistar a língua russa e o bom senso. É a única solução possível”, afirmou Slutski a 30 de julho de 2022.
E mais sete candidatos
Do partido Gente Nova, 39 anos, Vladislav Davankov é originário da cidade de Smolensk. É diplomado pela Universidade de Moscovo e pela Universidade Social.
Entrou para a política em 2020, quando participou da fundação do partido a que pertence, e ainda não se referiu à guerra na Ucrânia.
Davankov avançou no ano passado com um projeto-lei que proíbe o uso de toponímicos “ofensivos”, tendo sido co-autor de leis que proíbem a transição transgénero e a exibição de animais em circos.
Nas eleições para o município de Moscovo, em 2023, ficou em quarto lugar. Atualmente, não tem um programa eleitoral.
Andrey Bogdanov, com 53 anos, pertence ao Partido da Justiça e Liberdade da Rússia. Nascido em Mojaisk, não longe de Moscovo, é mestre da Grande Loja Maçónica e fundador daquele partido, bem como do Partido Democrático e do Partido Popular da Rússia.
Nas eleições presidenciais de 2008, obteve 1,3% dos votos. Também nunca falou da “operação militar especial”.
Em 1993, formou-se na Academia Plekhanov de Economia. Em 1999, chefiou o departamento de relações públicas da Comissão Eleitoral Central da Rússia Unida, de onde saiu em 2003.
Numa entrevista recente, Bogdanov confessou não esperar vencer as eleições. “Putin fez muito pelas pessoas comuns, é difícil derrotá-lo”, acrescentou. No entanto, as eleições irão ajudá-lo a dizer aos russos o que é a “verdadeira Maçonaria”.
Sergei Baburin, 64 anos, é membro da União dos Povos da Rússia. Nascido em Semipalatinsk, cidade cazaque, estudou na Universidade de Omsk.
Nas últimas eleições presidenciais ficou em último lugar, com 0,63% dos votos. Pronunciou-se pela anexação da Crimeia e a favor da guerra.
É o presidente, desde 2015, da Academia Internacional Eslava de Ciências. Escreveu, em 2022, na revista da Academia, que “o tempo da ditadura dos Estados Unidos e da NATO acabou para sempre, a Rússia derrubou o mundo unipolar”.
“É hora de compreender que o nacionalismo ucraniano destruiu o Estado ucraniano; é impossível o regresso ao antigo modelo soviético”, afirma.
“Deveria ser publicamente reconhecido que os territórios libertados do neonazismo estão a regressar à Rússia, e para sempre. Os que neles residem têm o direito à cidadania russa, como à proteção e apoio social para sempre”, escreveu ainda na revista “Slavianka”, como editor-chefe, em 2022.
Nikolai Kharitonov, com 75 anos, é o candidato do Partido Comunista da Federação Russa.
Natural de Novossibirsk, Sibéria, ficou em segundo lugar nas eleições presidenciais de 2004, depois de Putin, com 13,69% dos votos. Desta vez, Kharitonov vai às urnas com a palavra de ordem “Basta de brincarmos ao capitalismo!”
Formou-se no Instituto Agrícola de Novossibirsk e trabalhou como agrónomo. Iniciou-se como político em 1990, como deputado da Duma Estatal. Foi co-autor de leis que interditam a venda de bebidas energéticas a adolescentes, a transição transgénero e a “propaganda de relações sexuais não tradicionais”.
Não se pronunciou sobre a “operação especial”, ainda que, em dezembro passado, após os ataques das Forças Armadas Ucranianas a Belgorod, tivesse afirmado que Kiev mostrara novamente a sua “face de besta”.
“Vladimir Putin é, hoje, um chefe de estado experiente e muito respeitado por todos nós. Um único ‘mas’: as pessoas estão descontentes com os salários demasiado baixos e as pensões ainda mais. E ninguém sabe que tipo de capitalismo estamos a construir. E por que estamos a construí-lo?”, interrogou numa entrevista à Free Press, a 27 de dezembro de 2023.
Irina Sviridova representa o Partido Democrático da Rússia e nasceu há 35 anos. Natural de Tambov, pouco se sabe desta candidata, que nunca se referiu à operação militar especial.
Formada pela universidade da sua terra, trabalhou como economista em várias instituições. Está a escrever uma tese de doutoramento sobre a popularização da língua russa. Em 2021, participou nas eleições para a Duma Estatal do distrito de Tambov, pelo partido Alternativa Verde. Obteve apenas 2,16% dos votos.
Sergei Malinkovich, 48 anos, natural de São Peterburgo, é o candidato oficial do Partido Comunista da Rússia. É deputado da Assembleia Legislativa Regional do Altai, na Sibéria, apoia a “operação especial”.
Em 2011, participou nas eleições para a Assembleia Legislativa de São Petersburgo, pelo Rússia Justa, mas não foi eleito. Dois anos depois, assumiu o município de Petrozavodsk, mas também ficou pelo caminho.
Em 2022, participou nas eleições para a administração da região de Tambov, mas ficou em último lugar. Fracassou também em 2023, quando quis ser governador do Território do Altai.
Em agosto de 2023, Malinkovich apoiou a instalação de um monumento a Estaline, na cidade de Velikie Luki. O programa eleitoral de Malinkovich prevê a “conclusão vitoriosa da operação militar especial”.
Rada Russkikh, com 39 anos, concorre como independente. ‘Blogger’ com 567 mil seguidores, fundadora de uma marca de cosméticos e do Wave Diagnostics Center, em São Petersburgo, onde prolifera o esoterismo, magia e práticas espirituais. Não se referiu à guerra.
Mantém, no YouTube, um projecto “Ecológico”. Agora, com a sua equipa, está a resgatar cães da Buriátia, onde as autoridades locais decidiram abater os animais abandonados.
Russkikh defende que “os cidadãos devem estar numa posição igual à das autoridades e mostrar-se com mais maturidade, não esperar por ajuda e salvação sem fim”.
“Tenho certeza de que as pessoas querem ver uma mulher política. Por sermos mais económicas, menos agressivas, tendemos não a competir, mas a restabelecer a ordem”, disse ao portal russo evizor a 21 de janeiro.
Anatoli Batachev, candidato independente de 48 anos de idade, este escritor, publicitário e ativista ambiental é membro do partido Alternativa Verde de Vladivostok.
Participou em mais de 40 campanhas eleitorais como sociólogo, analista, secretário de imprensa e em outras funções, Segundo ele, a operação militar especial serve para corrigir erros e consolidar resultados.
O ativista ambiental luta, desde há anos, contra os aterros sanitários. Em 2017, participou na desativação de dois grandes aterros. São pontos do seu programa a preservação da cultura russa e a educação patriótica das crianças.
“Hoje vejo e sinto claramente que a Rússia está cansada. Quase perdemos a capacidade de aprofundar, analisar, tentar, lutar pela mudança”, escreveu, no seu canal do Telegram, a 22 de janeiro.
“É difícil para vivermos. Somos esmagados por empréstimos, instabilidade, nervosismo, necessidades, negatividade e é difícil respirar. Para remediar isto, é importante que sejamos amigos uns dos outros”, acrescentou.
Onze candidatos. Nove homens, duas mulheres, um crítico de Putin — e mais uma vitoria garantida para o homem que domina a Rússia há quase 25 anos.
// Lusa