/

Há algo à espreita no coração do quasar 3C 279

Michelle Vigeant

Há um ano, a Colaboração EHT (Event Horizon Telescope) publicou a primeira imagem de um buraco negro na galáxia rádio vizinha M87. Agora, a colaboração extraiu novas informações dos dados do EHT sobre o quasar distante 3C 279: observaram os melhores detalhes, até agora, do jato relativista que se pensa originar das proximidades de um buraco negro supermassivo.

Na sua análise, liderada pelo astrónomo Jae-Young Kim do Instituto Max Planck para Radioastronomia em Bona, Alemanha, estudaram a morfologia em fina escala do jato perto da base onde se pensa que a emissão altamente variável de raios-gama tenha origem.

A técnica usada para a observação do jato é chamada VLBI (very long baseline interferometry). Grande parte do desenvolvimento do VLBI foi liderado pela divisão de Radioastronomia/VLBI do Instituto Max Planck para Radioastronomia. Os resultados foram publicados na edição de 7 de abril de 2020 da revista Astronomy & Astrophysics.

A colaboração EHT continua a extrair informações dos excelentes dados recolhidos na sua campanha global em abril de 2017. O alvo das observações foi o quasar 3C 279, uma galáxia na direção da constelação de Virgem que os cientistas classificaram como quasar porque um ponto de luz no seu centro brilha intensamente e cintila à medida que enormes quantidades de gás e estrelas caem no buraco negro gigante. O buraco negro tem aproximadamente mil milhões de vezes a massa do Sol.

Está a destruir o gás e as estrelas que se aproximam num disco de acreção inferido e vemos que está a “esguichar” para fora parte do gás em dois jatos finos de plasma semelhantes a mangueiras a velocidades próximas da da luz. Isto diz-nos que no centro estão em jogo forças enormes.

Agora, os telescópios ligados mostram os detalhes mais nítidos de sempre, até uma resolução superior a meio ano-luz, para melhor ver o jato até ao disco de acreção esperado e para ver o jato e o disco em ação. Os dados analisados recentemente mostram que o jato normalmente direito tem uma forma torcida inesperada na sua base e, pela primeira vez, vemos características perpendiculares ao jato, que primeiro podiam ser interpretadas como o disco de acreção a partir do qual os jatos são ejetados dos polos. Comparando imagens dos dias subsequentes, vemos que alteram os seus detalhes finos, sondando a ejeção do jato, mudanças que antes eram vistas apenas em simulações numéricas.

Jae-Young Kim, líder da análise, está entusiasmado e ao mesmo intrigado: “Sabíamos que de todas as vezes que abrimos uma nova janela para o Universo, podemos encontrar algo novo. Aqui, onde esperávamos encontrar a região onde o jato se forma, obtendo a imagem mais nítida possível, encontramos um tipo de estrutura perpendicular. É como encontrar uma forma muito diferente abrindo a boneca matrioska mais pequena.”

Além disso, o facto de as imagens mudarem tão rapidamente também surpreendeu os astrónomos. “Os jatos relativísticos mostram movimentos aparentemente superluminais, como uma espécie de ilusão de ótica, mas isto, perpendicular à expetativa, é novo e requer análise cuidadosa,” acrescenta Jae-Young Kim.

Thomas Krichbaum, que projetou as observações da fonte em 2016 como investigador principal do projeto, realça a desafiadora interpretação dos dados: “É difícil conciliar o movimento de direção transversal do jato com o simples entendimento de um jato relativista de propagação externa. Isto sugere a presença de instabilidades de propagação do plasma num jato dobrado ou de uma rotação interna do jato.”

E acrescenta: “3C 279 foi a primeira fonte na astronomia a mostrar movimentos superluminais e hoje, quase cinquenta anos depois, ainda nos reserva algumas surpresas.”

Os telescópios que contribuíram para este resultado foram o ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), o APEX (Atacama Pathfinder EXperiment), o Telescópio IRAM (Institute for Radio Astronomy in the Millimeter Range) de 30 metros, o Telescópio James Clerk Maxwell, o LMT (Large Milimeter Telescope), o SMA (Submillimeter Array), o SMT (Submillimeter Telescope) e o SPT (South Pole Telescope).

Os telescópios trabalham juntos usando uma técnica chamada VLBI (very long baseline interferometry). Isto sincroniza instalações espalhadas pelo mundo e explora a rotação do nosso planeta para formar um enorme telescópio do tamanho da Terra. O método VLBI permite que o EHT atinja uma resolução de 20 microssegundos de arco – o equivalente a identificar uma laranja na Terra, vista por um astronauta na Lua.

A análise de dados, para transformar dados brutos numa imagem, exigiu computadores (ou correlacionadores) específicos, hospedados pelo Instituto Max Planck para Radioastronomia e pelo Observatório Haystack do MIT.

J. Anton Zensus, Diretor do Instituto Max Planck para Radioastronomia e presidente do Conselho da Colaboração EHT, destaca a conquista como um esforço global: “No ano passado, apresentámos a primeira imagem da sombra de um buraco negro. Agora vemos mudanças inesperadas na forma do jato de 3C 279, e ainda não terminámos. Estamos a trabalhar na análise de dados do centro da nossa própria Galáxia, Sgr A*, e de outras galáxias ativas como Centauro A, OJ 287 e NGC 1052. Como dissemos no ano passado: isto é apenas o começo.”

A campanha de observação março/abril de 2020 do EHT foi cancelada devido à pandemia de CoViD-19. A Colaboração EHT está determinada, nas etapas seguintes, a fazer novas observações e a analisar dados existentes.

Michael Hecht, astrónomo do Observatório Haystack do MIT e Diretor Adjunto do Projeto EHT, conclui: “Vamos agora dedicar toda a nossa atenção à conclusão das publicações científicas dos dados de 2017 e mergulhar na análise dos dados obtidos com a rede aprimorada do EHT em 2018. Esperamos ansiosamente as observações com a rede expandida para 11 observatórios do EHT em março de 2021.”

// CCVAlg

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.