Guerras de papagaios mortais: “pipas” cortam gargantas (e há quem queira proibi-las)

“Devia ser proibido na rua”. Misturar vidro moído com cola é meio caminho andado para vencer uma competição de “pipa” — mas pode correr muito mal.

Originalmente trazidos pelos colonizadores portugueses ou possivelmente vindos da África — onde eram usados por comunidades de escravos fugidos para alertar sobre eventuais perigos —, os papagaios de vento ficaram no coração da cultura brasileira.

As competições de “pipas”, como são conhecidos os papagaios no país, são muito comuns, mas têm causado ferimentos graves e até mortes no país, onde acenderam recentemente um debate intenso, com algumas pessoas a defenderem a proibição total da atividade.

O problema do brinquedo que se tornou tradição nas favelas do Rio de Janeiro está maioritariamente nas linhas cortantes que o compõem, conhecidas como “cerol“.

As linhas cortantes são criadas ao misturar vidro moído com cola: o resultado é uma superfície extremamente afiada, capaz de cortar outras linhas de pipas — o objetivo final do jogo — durante as competições ferozes.

No entanto, a utilização dessas linhas em áreas urbanas tem levado a tragédias indesejadas, muitas vezes, para motociclistas que, inadvertidamente, colidem com essas linhas enquanto estão em movimento.

Os relatos de amputações e cortes graves, incluindo fatalidades, são comuns, particularmente no Rio, avança reportagem do The Independent.

O que diz a lei (e o que quer vir a dizer)

Em resposta aos acidentes, algumas cidades e estados brasileiros adotaram leis que limitam ou proíbem o uso de cerol, mas apesar de estas linhas serem proibidas em algumas áreas densamente povoadas, como no próprio Rio de Janeiro, as leis locais são ignoradas com frequência. Em muitas ocasiões, até mesmo membros das forças policiais são vistos a participar nas competições.

A proposta de uma lei federal que proibiria a fabricação, venda e uso dessas linhas afiadas em todo o Brasil tem avançado no Congresso, tendo já sido aprovada pela Câmara dos Deputados e a aguardar agora a votação no Senado. A lei prevê penas que podem incluir prisão e multas pesadas para aqueles que desrespeitarem as novas regulamentações.

Para muitos, esta legislação representa esperança, mas a discussão em torno da proibição não é unânime.

Defensores das competições de pipas argumentam que o uso de linhas cortantes pode continuar, desde que as atividades sejam confinadas a áreas especialmente designadas, conhecidas como “kitedromes”. Estas zonas estariam afastadas de áreas residenciais e estradas, de forma a minimizar o risco para o público.

Por outro lado, como seria de esperar, vítimas e respetivos familiares defendem a proibição total.

“A vida do meu filho foi destruída. Por causa de um jogo”, diz ao jornal Kelly Christina da Silva, mãe de Kevin, que foi morto aos 23 anos, depois de uma linha de pipa o ter atingido no pescoço enquanto andava de mota.

“Deveria ser proibido na rua; reconhecemos que é perigoso”, disse Carlos Magno, presidente da associação de praticantes de kitesurf do Rio de Janeiro, “mas milhões de pessoas praticam este desporto e centenas de milhares de pessoas ganham a vida direta ou indiretamente graças a ele. Por isso, não podemos acabar com isto“.

ZAP //

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