Um contexto particular transformou um cemitério de elite num palco de uma espécie de Guerra Fria. “Mas qual é a pressa? Aqui só há mortos”.
O cemitério em causa é em Sainte-Geneviève-des-Bois, um pouco a sul de Paris, que fica a cerca de 30 quilómetros.
Ou seja, fica perto da capital de França e bem longe da capital da Rússia. Mas é com Moscovo que tem havido problemas.
O cemitério ortodoxo russo é um dos maiores fora da Rússia: cerca de 12 mil sepulturas, a maioria de russos. Há figuras públicas, princesas, vencedores do Prémio Nobel – a elite russa falava francês, no geral, e por isso muitos viajaram para Paris ou arredores.
Mas no cemitério também há 3 mil sepulturas de ucranianos.
O jornal Der Spiegel resume que este “cemitério de celebridades” – onde Vladimir Putin chegou a estar, há mais de 20 anos – transformou-se num “palco de uma Guerra Fria”.
Lá dentro, as celebrações continuam aos domingos, neste local de culto ortodoxo russo.
Mas, entre a comunidade, há uma divisão clara sobre a guerra na Ucrânia. Por isso, nem se fala sobre o assunto ao jornal alemão.
O problema mais visível não é esse: 80% das sepulturas estão abandonadas. Porquê? Porque, desde o dia 24 de Fevereiro de 2022, o primeiro da invasão à Ucrânia, o dinheiro do Kremlin desapareceu. O Governo da Rússia nunca mais colaborou na manutenção do cemitério.
O Kremlin cancelou diversas parcelas dos seus orçamentos anteriores devido à guerra. E, mesmo que quisesse, ajudar, as sanções financeiras da União Europeia dificultaram as transferências de dinheiro provenientes da Rússia.
Sinal a Moscovo
Os locais poderiam ajudar? Quer habitantes, quer autarquia? Sim. Mas aparentemente não o fazem porque a própria cidade quer dar um sinal anti-Kremlin, quer mostrar que está contra o Governo liderado por Putin nesta guerra. E cria a tal “Guerra Fria”, à distância e numa escala menor.
Até já houve um gesto de provocação: alguém andou a espalhar bandeiras da Ucrânia pelo cemitério.
O padre local, Nicolas Lopoukhine, acredita que 2 mil sepulturas vão ficar sem a concessão necessária ao longo dos próximos anos. A Rússia queria assumir as taxas de utilização mas a cidade francesa não aceita. Porque, reforça-se, está contra Vladimir Putin.
O mesmo responsável recebeu propostas “generosas” de russos ricos da Suíça e dos Estados Unidos da América – mas recusou todas porque não sabe de onde vem o dinheiro: “Não quero lavagem de dinheiro no cemitério”, resumiu Nicolas.
Entretanto, os responsáveis da Câmara Municipal de Sainte-Geneviève-des-Bois tentam suavizar a postura. Do papel de “vingador da Ucrânia” passam para tentativas de encontrar uma solução para aquele cemitério, de forma discreta. E assegura: não há planos para retirar sepulturas. A embaixada da Rússia fica satisfeita e assegura que a normalidade vai voltar mal seja possível, financeiramente.
Mas o padre Nicolas Lopoukhine não vê isso como prioridade: “Qual é a pressa num cemitério? A vantagem aqui é que temos a eternidade pela frente. É urgente que a guerra de Putin acabe. Sainte-Geneviève tem tudo a ver com os mortos; na Ucrânia, o que importa são os vivos“.
Guerra na Ucrânia
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