Boris Johnson não foi apenas um leitor dos conselhos dados pelos especialistas – que pareciam meros espectadores, envolvidos no sistema.
A COVID-19, não tendo desaparecido, passou a ter um impacto bem menor nas pessoas desde o ano passado.
Os últimos tempos têm sido de investigações à forma como Governos ou empresas farmacêuticas lidaram com a pandemia, sobretudo na primeira fase.
Entre os casos mais mediáticos está o do Reino Unido, onde recentemente foi divulgada uma investigação sobre o que se passou em Downing Street durante as reuniões sobre o coronavírus.
Com Boris Johnson como primeiro-ministro, houve tumultos, houve desordem interna, houve “disputas mesquinhas e incompetência profunda, assemelhando-se a uma tragédia absurda”.
Boris Johnson, e o Governo no geral, não sabiam o que fazer. Vagueavam entre confinamentos obrigatórios e deixar o vírus se espalhar.
As descrições acima são de Devi Sridhar, responsável por saúde pública global na Universidade de Edimburgo (Escócia).
No entanto, no jornal The Guardian, a maior preocupação desta cientista da saúde pública é outra.
Devi Sridhar espelha logo no título o foco do seu artigo de opinião: “Eu estava com receio de que os conselheiros científicos estivessem a ser usados pelo Governo – o inquérito COVID mostra que estavam mesmo”.
O chefe dos conselheiros médicos e o chefe da equipa médica responsável pelo processo “pareceram meros espectadores dentro de um sistema falhado”.
Por exemplo, os cientistas, os especialistas, eram contra os conselhos de comer fora de casa; mas foram ignorados – e o resultado foi uma segunda onda generalizada de infecções.
As suas aparições públicas ao lado de Boris Johnson davam uma ideia de concordância com a abordagem do Governo, apesar dos receios pessoais de ambos.
Este apoio tácito deu credibilidade às políticas questionáveis do primeiro-ministro, avisa a especialista.
A estratégia da pandemia, muitas vezes encoberta pela noção de “seguir a Ciência”, foi desafiada por alguns membros da comunidade científica – por ser politicamente motivada em vez de fundamentada nos interesses da saúde pública.
Já em 2020, Devi Sridhar estava preocupada com “o abuso da Ciência como um escudo político e o silenciamento de especialistas durante discussões cruciais”.
E perguntou a um dos responsáveis médicos até que ponto a evidência científica moldou realmente as decisões políticas.
O governo escocês, em contraste, adoptou uma abordagem mais inclusiva, convidando críticos para papéis consultivos para promover perspectivas diferentes e combater o pensamento de grupo. Os conselheiros mantiveram a liberdade de falar publicamente.
Esta investigação, continua o artigo, levanta questões sobre o futuro papel dos conselheiros científicos no Governo de Londres.
Embora os seus cargos exijam que os cientistas permaneçam politicamente neutros, na prática não são livres para expressar publicamente versões diferentes da versão oficial, levando a uma possível perda de confiança pública.
Há um equilíbrio desafiador entre influenciar políticas e manter a integridade profissional face à pressão política.
A investigação continua mas há uma noção cada vez maior de que a independência e autoridade dos conselheiros científicos precisam de ser reavaliadas.
Para que, numa próxima crise de saúde pública, a fé da população na Ciência não seja comprometida por causa de uma aparente influência política indevida.