O Governo francês, liderado por Michel Barnier, foi destituído por uma moção de censura com 331 votos favoráveis da coligação de esquerda Nova Frente Popular e da extrema-direita, União Nacional. É primeira vez que tal acontece em França desde 1962.
O Parlamento francês aprovou esta quarta-feira a moção de censura contra o primeiro ministro Michel Barnier, indicado pelo presidente Emmanuel Macron após as eleições do passado dia 7 de julho que deram a vitória à Nova Frente Popular, coligação de esquerda.
Após 60 dias de impasse e difíceis negociações, Barnier foi indicado para liderar o governo francês há apenas 90 dias — o que torna o seu governo o mais curto da Quinta República de França.
É também o primeiro governo, em 62 anos, a ser destituído. Ao longo da Quinta República, apenas uma moção de censura foi bem sucedida, em 1962 — que na altura resultou na destituição do então primeiro-ministro Georges Pompidou.
No entanto, este instrumento parlamentar tem servido nos últimos anos como ferramenta de pressão contra o governo e contra o presidente Macron, com dezenas de iniciativas falhadas durante as governações de Elisabeth Borne e Gabriel Attal.
A votação da moção de censura, que decorreu por volta das 19:00, resultou na queda do executivo liderado por Michel Barnier, com os blocos da esquerda radical e da extrema-direita União Naciona, a recolherem muito mais do que a maioria necessária de votos.
Os líderes desta aliança afirmaram também, de forma clara, que não visavam apenas o atual Governo, mas também o Presidente francês, ainda que o seu futuro, cujo mandato termina em 2027, não esteja legalmente ligado ao do Governo.
A líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, afirmou que o Governo do primeiro-ministro Barnier, caiu por perpetuar “as escolhas tecnocráticas” do Presidente Macron, eleito em 2017 e em 2022, após a sua candidatura à reeleição.
Le Pen, três vezes derrotada nas eleições presidenciais, incluindo duas vezes contra Macron, acrescentou que o Presidente francês tinha “ele próprio de concluir se estava em condições de permanecer presidente ou não”.
O líder da França Insubmissa, Eric Coquerel apelou também, em nome das forças de esquerda da coligação Nova Frente Popular, para que “soasse o toque de morte de um mandato: o do Presidente”.
A moção de censura seguiu-se a meses de crise, desencadeada pela dissolução da Assembleia Nacional pelo Presidente Macron após a derrota do seu partido nas eleições europeias contra a extrema-direita.
No mês seguinte, as eleições legislativas deram origem a uma Assembleia Nacional muito fragmentada e Barnier só tomou posse como primeiro-ministro a 5 de setembro, sucedendo a Gabriel Attal, após 60 dias de impasse.
A queda do executivo, liderado por Barnier, após apenas três meses em funções, é a mais rápida desde a adoção da Constituição francesa em 1958.
As duas moções foram apresentadas depois de o primeiro-ministro ter acionado o n.º 3 do artigo 49.º da Constituição, que permitiu que a legislação sobre o orçamento da Segurança Social fosse aprovada sem votação.
Esta decisão foi tomada após vários dias de discussões orçamentais difíceis, durante os quais Michel Barnier cedeu a várias exigências da extrema-direita, que, na sua opinião, estava sempre a pedir mais.
Perante o que parecia ser um cenário inevitável, Michel Barnier tinha apelado na terça-feira à noite, na televisão, à “responsabilidade” dos deputados para evitar a censura, no “interesse do país”.
A partir da Arábia Saudita, onde se encontrava em visita de Estado, Macron tinha dito, por seu lado, que “não podia acreditar num voto de desconfiança” no Governo.
O presidente já regressou a Paris, a tempo de refletir sobre as medidas a tomar após a queda do executivo, bem como a nomeação de um novo primeiro-ministro.
O colapso do Governo torna “tudo mais difícil e mais grave”, insistiu Michel Barnier, numa altura em que os sinais são já, na sua opinião, vermelhos em termos orçamentais, financeiros, económicos e sociais.
Após a censura do Governo, a esquerda, o centro e a direita podem agora não conseguir chegar a acordo sobre uma nova coligação governamental.
Marine Le Pen, por seu lado, está de olhos postos nas próximas eleições presidenciais, previstas para 2027, mas o seu destino político depende de uma decisão judicial prevista para 31 de março.
A candidata enfrenta uma inelegibilidade de cinco anos, com efeito imediato, por ter alegadamente desviado fundos do Parlamento Europeu para o seu partido.
ZAP // Lusa