Os cefalópodes nunca deixam de surpreender com as suas características inteligentes, incluindo braços com cérebro, camuflagem com mudança de cor, arte da fuga, e capacidades de resolução de puzzles.
Novas análises da genética da lula, do polvo e do choco revelaram que os seus genomas são tão quase tão estranhos como os próprios animais.
O genoma dos cefalópodes “é incrivelmente agitado”, explica Caroline Albertin, bióloga e líder de um de dois novos estudos publicados na Nature Communicatinos, [estudo 1, estudo 2], que identificaram estranhas reviravoltas nas histórias genéticas destes animais.
Albertin, em conjunto com outros investigadores, sequenciaram três genomas de cefalópodes de corpo mole:
O polvo de dois pontos da Califórnia (Octopus bimaculoides) — o primeiro polvo a ter o seu genoma sequenciado em 2005; a lula costeira de barbatana longa do Atlântico (Doryteuthis pealeii) — estudada como sistema modelo para a neurociência durante quase um século; e a lula de cauda de bico (Euprymna scolopes) — um animal usado como modelo para a simbiose entre bactérias e animais.
Os investigadores encontraram várias novas famílias de genes, muitas expressas no cérebro da lula, bem como expansões em genes com os quais já estavam familiarizados, como os grupos de genes de coloração mutável dos cefalópodes, dos seus tentáculos e dos seus bicos, segundo a Science Alert.
Outras expansões únicas de genes incluem os genes protocadherin, que podem estar envolvidos na construção de sistemas nervosos complexos, tanto em humanos como em cefalópodes.
Os cefalópodes, contudo, criam a diversidade neste gene através de cópias inteiras do mesmo — nos humanos, esta variação surge nas diferentes formas em que os genes são expressos.
Estas cópias ajudaram a que os genomas de cefalópodes aumentassem, com o genoma do Doryteuthis a pesar cerca de 1,5 vezes mais do que o nosso, e o do polvo de dois pontos da Califórnia cerca de 90% do nosso.
Em contraste, os nossos genomas expandiram-se através do processo de duplicação do genoma inteiro — uma característica creditada pela nossa complexidade avançada e capacidade de criar novas características evolutivas.
Os cefalópodes parecem ter sofrido alterações semelhantes em grande escala, mas como acontece com muitas coisas que fazem, acrescentaram o seu sabor único.
“Sabemos agora que a evolução dos cefalópodes de corpo mole envolveu alterações genéticas enormes. No entanto, as alterações não são duplicações de genoma inteiro, mas sim rearranjos genéticos, como se os genomas ancestrais fossem colocados num misturador”, sublinha Clifton Ragsdale, neurobiólogo da Universidade de Chicago.
Esta mistura genética pode ter ajudado estes animais marinhos únicos com as suas habilidades cognitivas, e os maiores sistemas nervosos de todos os invertebrados.
Entre os seus braços e as suas cabeças, os cerca de 500 milhões de neurónios do polvo rivalizam com a quantidade possuída pelos cães.
“Comparámos o genoma da lula com o de uma vieira (fruto do mar), e descobrimos que muitos genes que estavam dispersos no genoma da vieira se tinham juntado em áreas específicas dos cromossomas da lula. Estes novos grupos de genes formam unidades reguladoras. Isto significa que podem interagir uns com os outros e alterar a fisiologia do animal”, explica Akane Kawaguchi, o patologista molecular.
“Um dos grupos de genes do genoma da lula contém cinco genes principais envolvidos no desenvolvimento do sistema nervoso“, refere o patologista.
O agrupamento dos genes associados permitiu a racionalização e formas únicas de regulação genética dos animais.
Por último, mas não menos importante, há a famosa capacidade dos cefalópodes de editarem os seus próprios genes cerebrais.
Esta capacidade de edição do RNA ocorre apenas num conjunto de proteínas importantes do sistema nervoso nos humanos, em menos de 1%, mas nos cefalópodes, está muito mais difundida.
Normalmente, as alterações na construção de um animal ocorrem com mutações nas suas plantas de ADN. Mas, neste caso, é o RNA mensageiro — responsável pela construção das proteínas — que faz as alterações.
Há algumas sugestões de que esta capacidade permite aos cefalópodes maior flexibilidade para se adaptarem rapidamente ao seu ambiente, capazes de improvisar para se adaptarem a novas condições, mas ainda não foi provado.
Albertin e a sua equipa de investigação descobriram que a edição de RNA dos animais se enquadra em duas categorias distintas, a edição neural e a não neural.
Não só estas ocorrem em tecidos diferentes, como a frequência com que a edição ocorre é também dramaticamente diferente, sendo a edição associada ao sistema nervoso muito mais frequente, sugerindo que é extremamente importante para a forma como estes animais funcionam.
Todos estes mecanismos invulgares contribuíram para a construção das inteligências alienígenas com que todos nos maravilhamos agora, nos 300 milhões de anos desde a última vez que lulas e polvos partilharam um antepassado comum. Mal podemos esperar para ver o que mais os seus estranhos genomas irão revelar.