Os medicamentos genéricos dispensados nas farmácias geraram uma poupança de mais de 225 milhões de euros para o Estado e para as famílias nos primeiros seis meses do ano, mais 36 milhões comparando com o período homólogo de 2021.
Os dados foram divulgados à agência Lusa pela Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (APOGEN) no dia em que se assinalam os 30 anos do início da comercialização destes medicamentos em Portugal.
Fazendo um balanço dos genéricos em Portugal, a presidente da APOGEN, Maria do Carmo Neves, disse que foram “uma ferramenta importantíssima, porque permitiu que mais utentes fossem tratados a custos comportáveis” e que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) poupasse.
A título de exemplo, disse que, desde 2011 até hoje, os genéricos permitiram poupar mais de 5 mil milhões de euros, o que equivale a dois anos de custos da despesa total do SNS com medicamentos em ambulatório e em meio hospitalar.
O investimento nestas soluções permite alocar mais recursos ao SNS, investir na inovação, criar mais postos de trabalho e contribuir para a economia através das exportações e de um maior equilíbrio da balança comercial do medicamento.
Mas, apesar dos avanços, o país ainda está longe da média europeia em termos da quota dos genéricos (quase 70%). Desde há alguns anos que Portugal estagnou nos 48,8%. Maria do Carmo Neves defendeu que é preciso que nos próximos anos, seis em cada 10 utentes beneficiem destes medicamentos.
O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos (OF) apontou, por sua vez, como razões para esta estagnação o sistema de preços estar “tão achatado” que o mercado português deixa de ser apelativo para mais genéricos, e por não se manter a pressão sobre a informação.
Hélder Mota Filipe lamentou que passados 30 anos ainda se alimente dúvidas sobre os genéricos, sublinhando que, quando um profissional (médico, farmacêutico, enfermeiro) diz que só confia no medicamento original, o que está a dizer é que não confia nas autoridades do medicamento.
Para o ex-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar Rui Nogueira, o acolhimento por parte dos médicos dos genéricos foi boa, porque “contribuiria para o uso mais racional dos recursos com medicação que são grandes”.
“Depois houve aquela fase de necessidade esclarecimento dos doentes e também nosso de dúvida que tínhamos, mas que rapidamente ficou tudo resolvido para nós e penso que para os doentes também”, afirmou Rui Nogueira.
Apesar de já não ser frequentes, alguns doentes ainda hoje preferem ter medicamentos de marca do que genéricos, contou. Mas, realçou, se não fosse o uso destes medicamentos, o país estaria hoje “numa situação bem difícil, bem pior” em termos de gastos com medicamentos que “é enormíssimo”.
Infarmed financiou 95 processos de novos genéricos
Nos cinco primeiros meses deste ano foram financiados 95 processos de novos medicamentos genéricos, mais 64% face ao período homólogo do ano passado, segundo dados do Infarmed avançados esta sexta-feira à agência Lusa.
Este financiamento, continuou a Lusa, significa a comparticipação do Estado a novos medicamentos genéricos, que apresentam melhores condições financeiras para o SNS e para os utentes.
Os genéricos pertencentes ao grupo terapêutico do aparelho digestivo, os medicamentos usados em afeções cutâneas e no aparelho cardiovascular foram os que apresentaram uma maior representatividade de utilização em 2021, com quotas de utilização de 74,3%, 72,9% e 61%, respetivamente.
A quota de utilização de genéricos no mercado concorrencial atingiu em 2021 o valor de 63,4%, que corresponde à percentagem de unidades dispensadas de genéricos no conjunto de unidades dispensadas de medicamentos em que as substâncias ativas possuem genéricos comercializados.
O Infarmed observou também que a adoção de medicamentos biossimilares, com um contexto equivalente aos genéricos, “têm já uma grande expansão, sendo que estes medicamentos foram inicialmente nomeados biogenéricos por se tratarem exatamente de genéricos de medicamentos biológicos”.
Analisando a evolução do mercado, a presidente da APOGEN afirmou que, apesar da evolução, não tem sido “um mar de rosas”.
“Já antes da pandemia, deparávamo-nos com imensos problemas e começou a haver bastantes ruturas” e, apesar de não se falar neste momento disso, “elas existem e vão continuar a aumentar” devido ao aumento dos custos.
“A inflação está-nos a trazer custos industriais que não são absorvidos, nem nunca foram absorvidos, no preço do medicamento, o que quer dizer que quem fabrica, quem desenvolve, e comercializa que já tinha margens pequenas, as margens desapareceram. Isto quer dizer que vamos ter ruturas se nada for feito em termos da tutela”, alertou Maria do Carmo Neves.
Mas os problemas já existiam, porque entre 2006 e 2022 o preço de venda ao público, médio, dos medicamentos genéricos caiu 77%.
“Portanto, precisamos que no preço do medicamento sejam absorvidos os custos que nós não controlamos como é feito na alimentação”, defendeu a responsável, lembrando que cerca de 70% da doenças já tem tratamento com genéricos.
“Primeiro vão acontecer as ruturas e depois serão as empresas a encerrar”, previu. A associação defende uma revisão em alta do preço dos medicamentos – que “desceu 67% entre 2006 e 2022” – de forma a que “absorção dos custos” seja partilhada entre as empresas e o Estado, sem afetar o utente.
Segundo a Apogen, os custos com a produção de medicamentos (energia, matérias-primas, transportes e outros) subiram entre 25% e 30% nos últimos anos. Já vinham em crescendo, mas dispararam com a pandemia e a guerra na Ucrânia. “Estamos numa situação mesmo muito difícil”, frisou a presidente.
Questionado pelo Jornal de Notícias, o Ministério da Saúde não esclareceu se tenciona tomar medidas para ajudar a indústria. A tutela lembrou que esses fármacos “não têm sido sujeitos nos últimos anos às reduções de preço, que podem resultar do processo anual de revisão de preço”.