Gás liquefeito: porque é que a UE não consegue dizer “adeus” à Rússia?

As reservas europeias de gás estão a ser consumidas ao ritmo mais rápido desde a invasão russa da Ucrânia. Curiosamente, a União Europeia (UE) é o maior comprador de gás russo (e essa dependência parece estar para durar).

A crise energética na Europa, desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia, continua a exercer pressão sobre as reservas energéticas do velho continente, quase três anos depois de os países europeus terem imposto as primeiras sanções contra o gás russo.

A procura de gás natural liquefeito (GNL), por exemplo, deverá aumentar 13% até 2025, depois de ter diminuído no ano passado, de acordo com o grupo Independent Commodity Intelligence Services (ICIS).

Isto acontece ao mesmo tempo que os reservatórios de gás nos países da União Europeia (UE) estão a esvaziar-se ao ritmo mais rápido desde o início da guerra.

Ao contrário do gás natural, que é transportado por gasoduto, o GNL é arrefecido até à forma líquida, o que permite o seu transporte por navio.

A crescente procura de GNL tem sido um tema constante nos últimos anos, e deverá continuar a sê-lo até 2030, prevê Ed Cox, analista de mercados globais da ICIS. Em declarações à Deutsche Welle, o especialista aposta que, nessa altura, os fornecedores globais (liderados principalmente pelos EUA e pelo Catar) terão conseguido aumentar a sua produção de forma significativa para satisfazer a procura.

Até lá, o GNL russo continua a ser a salvação para muitos países europeus.

Embora a UE tenha reduzido a quantidade total de gás russo que importa desde o início da guerra em 2022, a maior parte desta redução está relacionada com o gás natural, transportado por gasoduto.

O GNL russo, por outro lado, continua a ser comprado pelos países europeus, uma vez que não existem vetos às importações diretas da mercadoria.

As atuais sanções contra o gás liquefeito incidem principalmente na reexportação, o que impede as empresas da UE de comprarem o produto e de o transferirem de um navio para outro, para ser revendido fora da UE.

Rússia continua a sorrir

Estas sanções não impediram que os volumes de gás liquefeito vendidos pela Rússia aumentassem drasticamente, atingindo um máximo histórico em 2024.

Os números do Centro de Investigação sobre Energia e Ar Limpo (Crea), citados pela Deutsche Welle, mostram que as importações de GNL russo pela UE atingirão 7,32 mil milhões de euros em 2024, um aumento de 14% em relação ao ano anterior.

Assim, a UE é o maior comprador mundial de GNL russo, à frente da China, do Japão e da Coreia do Sul.

A Europa está mais dependente das importações de GNL agora do que antes, devido à queda das importações de gás russo [transportado por gasodutos]”, disse Ed Cox à DW. Este cenário, explica, deixa o continente mais exposto às flutuações do preço do GNL no mercado mundial.

UE sob pressão

Os países da UE, no entanto, têm pressionado Bruxelas a adotar uma proibição definitiva das importações de produtos russos, o que poderia forçar os compradores europeus a encontrar novos fornecedores mais rapidamente do que o esperado.

Ao mesmo jornal, Isaac Levi, analista do Crea, também defendeu que o bloco precisa ser mais proativo e “implementar ativamente” medidas que impeçam os países europeus de comprar gás liquefeito do país liderado por Vladimir Putin.

Levi acredita que muitos países europeus continuarão a ser atraídos pelas taxas ligeiramente mais baratas do GNL russo, mas argumenta que toda a UE poderá acabar com a sua dependência no futuro. “É uma questão de vontade política”.

“Deverá ser compensado pelo GNL dos EUA e do Qatar”, afirmou Cox.

Como preparar o continente?

Grande parte da preparação do continente para contornar a dependência do gás russo tem-se centrado na expansão da capacidade de armazenamento da UE. O tempo frio do final do ano fez com que os níveis de stock caíssem mais do que nos dois invernos anteriores na mesma altura do ano.

Por outro lado, os níveis de armazenagem na UE têm sido excecionalmente elevados nos últimos Invernos, devido aos receios de escassez de abastecimento em consequência da guerra. Os preços do gás são também cerca de 90% mais baixos do que no auge da crise energética em 2022, embora sejam quase três vezes mais elevados do que nos anos anteriores à invasão.

Para Ed Cox, apesar do risco de aumento dos preços, o continente será capaz de satisfazer as suas necessidades. “A Europa vai receber GNL suficiente, mas isso pode significar que os preços europeus terão de aumentar para competir com a Ásia”, afirmou.

“Desvio” de cargas

Cox afirma que os preços no mercado internacional têm sido “voláteis”, em particular devido às fraudes nas licitações que ocorrem durante o transporte de GNL entre os EUA e a Europa.

Quando empresas como a Shell, a BP ou operadores chineses compram GNL aos EUA, não são obrigados a ter um destino pré-determinado. Isto significa que podem revendê-lo a quem fizer a melhor oferta, mesmo quando o produto já está em trânsito.

“Estas empresas estão sempre à procura de oportunidades em todo o mundo. Se virem que o preço na Europa é demasiado elevado e conseguirem encontrar um comprador na Europa a curto prazo, desviam a carga para lá. Podemos ver literalmente a carga a mudar de direção no meio do Atlântico”, denunciu Cox.

Perante uma procura elevada, os compradores europeus estão normalmente dispostos a pagar um prémio acima de outros mercados globais para desviar o GNL para os seus portos. Isto levou a novas críticas de que as nações europeias mais ricas estão a desviar os fornecimentos dos países que precisam do produto, particularmente no Sul da Ásia e na América Latina.

Cox admite que este é também um problema com países como o Japão e a Coreia do Sul. “Os mercados ricos da Ásia Oriental e da Europa estão a excluir outros compradores”, disse, acrescentando que países como a Índia, o Bangladesh e o Paquistão sempre foram “sensíveis aos preços” e não se importam de mudar para a produção de energia a carvão e a petróleo quando é mais barato.

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