Pelo menos uma dúzia de indianos foram enganados por agentes de recrutamento para lutar pelas forças russas na guerra do país contra a Ucrânia — e um deles teria sido morto em combate.
De acordo com o jornal The Hindu, Hemal Ashwinbhai, do Estado indiano de Gujarat, morreu em um ataque com mísseis no fim de fevereiro.
Em entrevista à BBC, o pai de Hemal disse em 23 de fevereiro que tinha conversado com o filho três dias antes. Na ocasião, ele contou que Hemal tinha sido posicionado a cerca de 20-22 quilómetros dentro da fronteira da Ucrânia — e ligava-lhe a cada poucos dias quando encontrava sinal de rede.
Desesperadas, as famílias dos homens que seguem em combate fazem agora um apelo ao governo federal para que sejam levados de volta para casa.
Os homens enganados, com idades entre 22 e 31 anos, foram contratados como “ajudantes das instituições militares na Rússia” — e supostamente enviados para o campo de batalha sob o pretexto de “treino”, segundo as suas famílias.
Fontes indianas na Rússia sugerem que dezenas de indianos se juntaram ao Exército russo. No entanto, uma fonte do Ministério da Defesa russo informou ao The Hindu que o número real recrutado no ano passado é de aproximadamente 100.
A BBC entrou em contato com a Embaixada da Rússia em Nova Deli, mas ainda não obteve resposta.
O Ministério das Relações Exteriores da Índia reconheceu “que alguns cidadãos indianos se alistaram para funções de apoio no Exército russo”.
“Todos os casos levados ao conhecimento da Embaixada da Índia em Moscovo foram fortemente debatidos com as autoridades russas, e os que foram levados ao conhecimento do Ministério foram debatidos com a Embaixada da Rússia em Nova Déli. Vários indianos já foram dispensados como resultado”, afirmou o Ministério em comunicado.
O Ministério também pediu a “todos os cidadãos indianos para terem a devida cautela e ficarem longe deste conflito”.
Vídeos gravados por alguns dos homens, explicando como foram enganados por agentes de recrutamento e enviados para o campo de batalha, deixaram as suas famílias em choque. Todos eles são de origem pobre — os seus pais e irmãos são motoristas de tuk-tuk ou vendedores ambulantes.
As vítimas e familiares alegam que os agentes exigiram 300 mil rúpias, prometendo um passaporte russo após alguns meses de serviço militar. Os agentes supostamente recrutam pessoas da Índia, Emirados Árabes Unidos, Nepal e Sri Lanka, cobrando taxas que chegam a 1,2 milhão de rúpias.
A BBC conversou com alguns dos parentes deles, que afirmam que os homens foram atraídos pela promessa de salários mais altos — e não sabiam no que estavam se a meter.
“O meu filho de 28 anos trabalhava numa empresa de embalagens no Dubai. Ele, assim como três amigos, viu o vídeo de um agente a oferecer empregos na Rússia com uma promessa de salário de 90 mil a 100 mil rúpias — enquanto ele ganhava na época de 35 mil a 40 mil. Eles pagaram ao agente 300 mil rúpias através de empréstimos. Por favor, ajude a trazer meu filho de volta”, disse o pai, que vende chá e ovos num carrinho de mão no estado de Karnataka, caindo no choro ao telefone com a BBC Hindi, serviço de notícias em hindi da BBC.
Contrato em russo
A história dele reflete a de outros — dos estados de Telangana, Gujarat, Caxemira, Bengala Ocidental e Uttar Pradesh — que também foram supostamente enganados. Apenas uma pessoa teria conseguido escapar de Moscovo e voltar para casa.
Um homem do estado indiano de Uttar Pradesh, falando de um local seguro em Moscovo, aparece num vídeo gravado no fim de janeiro, dizendo que eles “foram trazidos para aqui pelo BabaVlog [um canal do YouTube administrado por um indiano] e receberam a promessa de um salário de 150 mil rúpias [por mês ]. Não nos disseram que estávamos a ser convocados para um Exército.” A BBC entrou em contacto com o canal, mas não recebeu resposta.
Aqueles que foram supostamente enganados não têm experiência de combate em guerra. Um homem de Uttar Pradesh, vestido com o uniforme do Exército, afirma numa mensagem de vídeo que foi recrutado através de uma plataforma de rede social.
“Em Moscovo, assinámos um contrato em russo e involuntariamente torna-mo-nos soldados enviados para lutar na guerra. Fomos enganados”, diz o homem, alegando que ele e outros dois indianos sofreram ferimentos em combate, gesticulando com a mão direita aparentemente ferida.
“Por favor, tire-nos daqui. Caso contrário, eles vão enviar-nos para a linha de frente. Há artilharia e drones a cair por toda parte. Não temos experiência em lutar numa guerra. Os agentes colocaram-nos nesta situação”, ele acrescenta.
Falando ao telefone da fronteira entre a Rússia e a Ucrânia, um homem da Caxemira contou ter ficado preso em Mariupol, na Ucrânia, com um companheiro indiano e nove pessoas do Nepal e de Cuba. Ele disse que atirou acidentalmente no próprio pé durante o treino.
“O meu comandante ficava a dizer: Use a mão direita para atirar, use a mão esquerda para atirar, atire para cima, atire para baixo”, ele recorda.
“Nunca tinha tocado numa arma. Estava muito frio e, com a arma na mão esquerda, acabei por atirar no meu pé.”
O irmão de um dos homens disse não saber se os indianos estavam “no exército privado do grupo Wagner ou no Exército russo. Eles estão a cerca de 40 km da fronteira com a Ucrânia. Prometeram-lhes a cidadania russa em três meses”.
Só Shaikh Mohammed Tahir, de Ahmedabad, no estado indiano de Gujarat, conseguiu evitar o treino — ou não ser enviado para a zona de guerra.
“Trabalhei aqui numa oficina de baterias de automóveis”, disse o jovem de 24 anos. Voltou para a Índia no fim de fevereiro.
A questão ganhou as manchetes dos jornais depois de Asaduddin Owaisi, um parlamentar da cidade de Hyderabad, chamar atenção para o assunto. Em 23 de janeiro, escreveu ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, solicitando a intervenção do governo para levar os homens de volta para casa.
Mallikarjun Kharge, líder do principal partido de oposição da Índia, o Congresso Nacional Indiano, alegou que cerca de 100 indianos foram “recrutados pelo Exército russo como ajudantes” no ano passado.
“Chocantemente, alguns deles foram forçados a lutar ao lado das forças russas na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia. Alguns dos trabalhadores também disseram que os seus passaportes e documentos foram apreendidos, deixando-os presos e impossibilitados de voltar para casa”, afirmou.
Quando a guerra começou em 2022, houve relatos de indianos que se voluntariaram para se juntar ao Exército ucraniano. Mas a presença de indianos em funções de combate do lado russo foi noticiada agora pela primeira vez.
A BBC também conversou com um indiano na Rússia que serviu perto da fronteira com a Ucrânia — e não está mais no Exército. Ele disse que, pela experiência dele, o Exército russo era transparente e partilhava os seus contratos online. Mas acrescentou que as pessoas que não sabiam russo estavam a ser enganadas pelos agentes.
ZAP // BBC
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