Foi da China à Coreia do Sul de mota de água: 320 quilómetros em busca de asilo político

Wikimedia Commons

Incheon, Coreia do Sul

Fugitivo político foi detido à chegada de Incheon, onde fica o principal aeroporto do país. Teria, muito possivelmente, intenções de ir para os Estados Unidos, Grã-Bretanha ou Canadá para fugir à máquina de censura chinesa.

Deu à costa oeste da Coreia do Sul, na semana passada, um homem chinês que cruzou o vasto Mar Amarelo numa moto de água.

Com mais de 200 litros de combustível, o fugitivo político, que já foi preso na China, chegou aos pântanos da cidade portuária de Incheon — a uma hora de carro da capital Seul — após viajar mais de 300 quilómetros da província de Shandong, na China, até chegar à Coreia do Sul.

De colete salva-vidas, capacete, uma bússola e até binóculos — Kwon Pyong, cujo nome em mandarim é Quan Ping — vinha preparado e teria à sua espera alguns dos seus parentes no país vizinho, diz ao The Washington Post um ativista dos direitos humanos da Coreia do Sul, na quarta-feira.

O fugitivo, que procurava asilo político fora da China, partiu para Incheon muito provavelmente por lá ficar o principal aeroporto do país. Possivelmente, iria para os Estados Unidos, Grã-Bretanha ou Canadá, mas acabou detido, à chegada, numa instalação da guarda costeira por cruzar a fronteira ilegalmente.

Há sete anos, Kwon Pyong ganhou notoriedade ao usar uma camisola com a expressão “Xitler” — que comparava o líder da China, Xi Jinping, a Adolf Hitler. A t-shirt valeu-lhe uma acusação de incitação à subversão e uma pena de prisão de 18 meses na China.

Kwon já teria estado preso em 2017 durante um ano e meio na China, por “incitar à subversão do poder do Estado” depois de ter publicado discursos, imagens e vídeos nas redes sociais críticos do governo chinês.

Um tribunal chinês afirma que Kwon insultou a “autoridade do estado e o sistema socialista”, segundo a Front Line Defenders, grupo de defesa que tem acompanhado o seu caso. Desde então, tem estado proibido de sair da China.

Dissidentes políticos desde o “Banho de Sangue”

Críticos e opositores das políticas do Partido Comunista Chinês (PCC) têm sido considerados dissidentes políticos desde a fundação da República Popular da China em 1949, com o partido a manter um controlo apertado sobre a expressão política.

O movimento de dissidência ganhou notoriedade internacional após os eventos da Praça Tiananmen em 1989, ano em que estudantes, intelectuais e trabalhadores se reuniram pacificamente em Pequim para reclamar novas reformas democráticas, movimento onde foi capturada a famosa foto de um homem sozinho a enfrentar os tanques chineses conhecida como “Tank Man”.

Um número indeterminado de mortes que chega aos milhares e a imagem do corajoso homem ficaram para sempre na memória dos chineses e do mundo, apesar da tentativa de apagar a história.

Após Tiananmen, a repressão contra dissidentes intensificou-se. Liu Xiaobo, laureado com o Prémio Nobel da Paz em 2010, é um dos grandes exemplo da crescente censura. O chinês foi condenado a 11 anos de prisão, também por “incitar à subversão contra o poder do Estado” devido ao seu envolvimento na Carta 08, um manifesto que pedia reformas políticas na China. Liu faleceu em 2017 enquanto sob custódia.

A tecnologia fechou ainda mais o cerco aos chineses que procuram a liberdade. O “Grande Firewall da China” limita o acesso a informação e as redes sociais são rigorosamente monitorizadas.

Ativistas, advogados de direitos humanos e jornalistas que desafiam o partido enfrentam detenções, assédio e muitas vezes desaparecem do radar.

Resta a coragem de dissidentes chineses como Kwon, que ao arriscarem as suas vidas continuam a inspirar movimentos pró-democracia.

Tomás Guimarães, ZAP //

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