Escândalo em França: filha do primeiro-ministro diz ter sido espancada por padre. Bayrou sob fogo

Caroline Blumberg / POOL / EPA

Hélène Perlant é uma das cerca de 200 ex-alunas que vieram a público apresentar queixa. O seu caso remonta há quase 40 anos. Escândalo envolve o pai, François Bayrou, acusado de não ter reagido a indícios.

A filha mais velha do primeiro-ministro francês, François Bayrou, revelou ter sido uma das diversas vítimas de abusos numa conceituada escola católica no sul de França, no centro de um escândalo que está a exercer pressão sobre o próprio chefe do governo.

Atualmente com 53 anos, Hélène Perlant relatou numa entrevista à revista Paris Match nesta terça-feira, que foi vítima de abuso físico severo há quase 40 anos, quando era aluna da escola Notre Dame de Bétharram.

Num episódio que nunca contara aos pais, durante um acampamento de verão, um clérigo da escola agrediu-a brutalmente: “uma noite, quando estávamos a abrir os sacos-cama, [o padre] agarrou-me repentinamente pelos cabelos, arrastou-me pelo chão durante vários metros e desferiu-me socos e pontapés por todo o corpo, principalmente no estômago”, afirmou Perlant.

“Urinei-me e passei a noite inteira assim, molhada e em posição fetal no meu saco-cama”, disse ainda.

No dia seguinte, participou, “toda magoada”, numa caminhada com o resto do grupo, determinada a mostrar ao padre, que a acusara de ser “mal-educada como o pai”, que não era vítima.

Como o escândalo atinge o primeiro-ministro

As declarações de Perlant levantaram polémica em França. Bayrou, do partido democrata-cristão e liberal Movimento Democrático (MoDem), está a ser criticado por alegadamente não ter reagido a indícios de má conduta na escola, situada no seu círculo eleitoral, durante o período em que foi ministro da Educação, de 1993 a 1997.

Vários outros relatos de abuso na Notre Dame de Bétharram estão a vir a público. Cerca de 200 ex-alunos apresentaram queixa, alegando terem sido alvo de abusos físicos e também agressões sexuais na escola, entre 1957 e 2004, segundo uma associação que representa as vítimas.

Dessas queixas, 90 referem-se a abusos sexuais, incluindo uma que menciona uma violação coletiva por dois padres. No entanto, até ao momento, apenas duas resultaram em acusações formais: contra um supervisor acusado de abuso sexual e violação de menores.

Um ex-polícia declarou no inquérito ter ouvido dizer que Bayrou, enquanto era uma autoridade local, interveio em 1998 no caso de um padre e ex-diretor da escola acusado de ter violado um rapaz de dez anos uma década antes. Posto em liberdade, dois anos depois o homem foi encontrado morto no rio Tibre, em Roma. Bayrou negou ter interferido no caso.

Em 1996, quando era ministro da Educação, os pais de um aluno acusaram um inspetor da escola de ter dado uma bofetada tão forte ao rapaz que este perdeu a audição de um dos ouvidos. Esse homem viria a ser condenado.

A esposa do primeiro-ministro também trabalhou como professora de estudos religiosos na escola, e outros filhos do casal frequentaram-na. Bayrou afirma que, à data, não tinha conhecimento de qualquer má conduta.

No próximo dia 14 de Maio, Bayrou deverá ser ouvido por uma comissão de inquérito.

“Era como uma seita ou um regime totalitário”

Perlant disse na entrevista que, no seu tempo de aluna, “as vítimas de espancamentos e agressões sexuais não se manifestavam”.

“A Bétharram era organizada como uma seita ou um regime totalitário, exercendo pressão psicológica sobre os alunos e professores para os manter em silêncio.”

A filha do líder francês acrescentou ainda que a escola tinha estratégias para garantir que as vítimas se sentissem envergonhadas e que permaneceu em silêncio durante porque “talvez inconscientemente quisesse proteger o meu pai das crises políticas que enfrentava na região”.

“Como pai, é uma facada no coração”

O democrata-cristão Bayrou afirmou que a filha nunca lhe relatara o sucedido.

Como pai, é uma facada no coração. Mas, como servidor público, penso em todas as vítimas […] Não quero abandoná-las.”

Nesta quinta-feira, foi lançado em França um livro das vítimas da escola, que inclui um testemunho de Perlant. Ela acredita que o pai, como muitas outras pessoas à volta da escola, não percebia o que lá se passava.

ZAP // DW

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