“É como assistir a um escultor a trabalhar, a cinzelar um bloco de mármore para revelar uma obra-prima. Neste caso, a natureza é o escultor, e o resultado é a incrível complexidade dos nossos dedos das mãos e dos pés.”
O primeiro atlas de células humanas no desenvolvimento inicial dos membros já está cá fora e vem revelar detalhes fascinantes sobre o complexo e altamente regulado processo que conduz à formação dos nossos dedos.
Tradicionalmente baseada em organismos modelo como ratos, embriões de galinha ou células estaminais cultivadas em laboratório, a nossa compreensão do desenvolvimento dos membros de vertebrados “empanca” no caso dos humanos, cuja biologia diverge desses modelos, explica o Science Alert.
Anteriormente, pensava-se que os membros se projetavam do corpo embrionário — de dentro para fora.
No entanto, o novo estudo publicado na Nature, que analisou milhares de células individuais de tecidos embrionários humanos com 5 a 9 semanas de desenvolvimento, dá-nos uma imagem mais detalhada desta “escultura” — e mais colorida.
Os investigadores identificaram 67 grupos distintos de células e mapearam-nos em diferentes momentos do primeiro trimestre do desenvolvimento.
“Identificamos 67 grupos distintos de células a partir de 125.955 células individuais capturadas e mapeámo-los espacialmente ao longo de quatro pontos temporais do primeiro trimestre para lançar nova luz sobre o desenvolvimento dos membros”, escreve a equipa: “Ao fazê-lo, descobrimos vários estados novos de células.”
“É como assistir a um escultor a trabalhar, a cinzelar um bloco de mármore para revelar uma obra-prima. Neste caso, a natureza é o escultor, e o resultado é a incrível complexidade dos nossos dedos das mãos e dos pés”, diz, citado pela EurekAlert, o autor sénior e biólogo celular da Universidade Sun Yat-sen, Hongbo Zhang.
“Pela primeira vez, fomos capazes de capturar o notável processo de desenvolvimento dos membros com resolução a nível de célula única no espaço e no tempo”, diz Sarah Teichmann, autora sénior e bióloga computacional no Instituto Wellcome Sanger.
Padrões de expressão genética também foram examinados.
O papel de genes específicos como o IRX1 e SOX9 na formação de dígitos e no desenvolvimento do esqueleto revelou-se fundamental. Por volta das sete semanas de desenvolvimento, são ativadas instruções de morte celular programada, levando à formação de dedos das mãos e dos pés bem definidos.
Precisão da “escultura” é fundamental
“Revelamos um processo altamente complexo e precisamente regulado”, afirma Zhang.
A precisão deste processo é crucial, uma vez que as mais pequenas irregularidades podem resultar em deformidades dos membros, afetando uma em cada 500 pessoas ao nascer.
O estudo também explorou genes associados a condições congénitas como dedos curtos (braquidactilia) e dedos interligados (sindactilia), o que nos traz novas informações sobre onde o desenvolvimento dos membros pode “descarrilar”.
Além disso, a pesquisa demonstrou que, embora a formação dos membros em humanos e ratos siga trajetórias semelhantes, existem diferenças nos genes ativados e nos tipos de células.
A criação do inédito atlas está “a aprofundar a nossa compreensão de como estruturas anatomicamente complexas se formam, ajudando-nos a descobrir os processos genéticos e celulares por trás do desenvolvimento humano saudável, com muitas implicações para a pesquisa e a saúde”, acredita Sanger.