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Fábrica ucraniana trouxe costureiras e máquinas e faz vestidos de noiva em Guimarães

Estela Silva / Lusa

Fábrica ucraniana em Guimarães

Trabalhadoras ucranianas e cerca de 40 máquinas de costura rumaram a Mesão Frio, Guimarães, para continuarem a produzir vestidos de noiva e de cerimónia de uma confeção em Cherkassy, a 200 quilómetros de Kiev.

Uma fábrica de vestidos de noiva e de cerimónia de Cherkassy, a 200 quilómetros de Kiev, na Ucrânia, mudou-se de armas e bagagens para Guimarães, trazendo as trabalhadoras ucranianas e cerca de 40 máquinas de costura.

“Há cerca de um ano, quando a guerra rebentou, a gerente da empresa holandesa, que é a CEO [directora executiva] e minha amiga há muitos anos, telefonou-me para perguntar se estaria disposto a ajudá-la num processo de criação de uma empresa portuguesa que acolhesse ucranianos“, explica à agência Lusa, o engenheiro têxtil Miguel Pimenta.

“Os ucranianos que estavam a trabalhar na Ucrânia viriam para Guimarães, uma cidade que ela já conhece, e aí montar-se-ia uma empresa para fazer exactamente aquilo que se fazia na Ucrânia”, nota Miguel Pimenta.

O engenheiro têxtil é o responsável pela Love Lace, a confecção que se instalou em Mesão Frio, concelho de Guimarães, e que integra o Maple Group, com sede nos Países Baixos, da qual a amiga de Miguel Pimenta, de nacionalidade ucraniana, é a directora executiva.

“Neste momento, estão 20 pessoas a trabalhar. Dois portugueses e 18 ucranianos. Temos dois homens, um [deles] mecânico. Alguns homens conseguiram sair da Ucrânia, porque tinham problemas”, revela ainda Miguel Pimenta.

Um desses homens “tem problemas de rins, tem de fazer hemodiálise permanente”, refere. “Conseguiu sair da Ucrânia e em Portugal, teve de se arranjar forma de ele ter os tratamentos, dia sim, dia não”, acrescenta.

Já o “outro senhor conseguiu sair porque tem um filho com autismo“. “Teve de se tratar para que o filho pudesse ter acompanhamento clínico”, conta ainda Miguel Pimenta.

Vestidos de alta gama feitos quase à mão

Entre tecidos, rendas e a costurar, as operárias têxteis produzem diariamente vestidos de noiva, de cerimónia e de cocktail, para exportação para 32 países e para venda directa ou através do ‘site’.

Os vestidos “de alta gama” são, sobretudo, de renda, com uma marca e um design próprios, criados pela empresa, que “é quase um atelier”, segundo o responsável pela Love Lace. Não se trata de uma confecção em massa, mas antes de um processo “quase manual”, como realça Miguel Pimenta.

Num único espaço, de um lado estão organizados os tecidos, as rendas e a mesa de corte de material. Do outro, estão as cerca de 40 máquinas de costura que, juntamente com outro equipamento, viajaram da empresa ucraniana, sediada em Cherkassy, a cerca de 200 quilómetros a sul de Kiev, até Guimarães.

Inicialmente, chegou um grupo de 39 ucranianos, “que foi preciso integrar e tratar da parte humanitária“, nomeadamente da “casa”, da “comida” e dos “documentos”, relata o responsável pela Love Lace.

Foi preciso montar empresa para acolher os trabalhadores ucranianos

Quando essa parte ficou tratada, deu-se então início ao processo de criação da confecção têxtil, que está a laborar desde Julho do ano passado.

“A segunda parte foi montar uma empresa para acolhê-los, para eles terem o seu trabalho” e dar “seguimento” ao que “faziam lá na Ucrânia e não se perder a produção de mais de 20 anos”, salienta o engenheiro têxtil.

Em todo este processo de mudança de vidas, desencadeado pela guerra que teve início em 24 de Fevereiro de 2022, Miguel Pimenta enaltece o papel de Guimarães e das instituições públicas na integração destes cidadãos ucranianos.

“Nesse aspeto, Guimarães foi inexcedível. Fiquei completamente surpreendido. Todos os organismos públicos, dos quais tinha uma imagem um bocadinho negativa, surpreenderam”, destaca.

“Com maior ou menor sacrifício, tudo se resolveu, com a ajuda da Câmara [de Guimarães], com a ajuda da Acção Social, nomeadamente da Dra. Graça Carvalho, que tem sido absolutamente excepcional em tudo aquilo que precisamos”, partilha o engenheiro têxtil.

Outra das vertentes que foi preciso resolver, prendeu-se com a integração em escolas do concelho das sete crianças que também vieram para Portugal.

“Portugal funciona, mas casa é sempre casa”

Regressar à Ucrânia é o desejo de alguns destes trabalhadores que tiveram de abandonar o seu país.

“Casa é sempre casa. Penso que Portugal é um país que lhes agrada, porque funciona. Portugal funciona. Quem trouxe a família, ficará cá, na minha opinião. Quem está sozinho, provavelmente regressará à Ucrânia. Se não for à Ucrânia, será para países fronteiriços: Polónia, Lituânia ou até para a própria Alemanha”, vaticina Miguel Pimenta.

Quanto ao futuro da empresa em Portugal, esse parece estar garantido.

“Este projecto vai continuar. A ideia é reforçar mais a produção” para ter, “no mínimo, [mais] sete a oito costureiras, sejam elas ucranianas ou portuguesas”, sustenta o responsável pela Love Lace.

Olga Melnyk, de 30 anos, foi uma das funcionárias, que também serve de tradutora, que veio para Guimarães.

“Estamos muito gratos ao povo português por toda a ajuda e caloroso acolhimento em todos os momentos desde que chegámos aqui. Não estávamos à espera de tanto”, assume Olga.

“Esperamos que a guerra termine muito brevemente, obviamente com a vitória da Ucrânia. Temos falado com os nossos familiares que estão na Ucrânia todos os dias e esperamos regressar à Ucrânia, assim que a guerra acabar”, refere esperançosa num inglês quase perfeito.

Guimarães acolheu, desde o início da guerra, 234 cidadãos vindos da Ucrânia, segundo dados facultados à Lusa pelo município que nota que “85% são licendiados/mestres“, que “trabalham em diversas empresas e IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social] do concelho”.

“Outros trabalham online para os empregos que tinham antes da guerra. As crianças e jovens estão integrados nas nossas escolas e uma jovem entrou na Universidade no Porto. Outros jovens continuaram o curso universitário online e os mais velhos estão reformados”, acrescenta a autarquia.

ZAP // Lusa

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