‘Álbuns de Família: Fotografias da diáspora africana na Grande Lisboa’. Porque a fotografia colonial pode ser uma forma de desumanização.
O Padrão dos Descobrimentos tem, desde o final de Abril, uma exposição com fotografias da autorrepresentação da diáspora africana em Portugal.
A exposição temporária chama-se ‘Álbuns de Família: Fotografias da diáspora africana na Grande Lisboa’ e estará no Padrão até ao final de Novembro.
São milhares de imagens que diversos africanos registaram de si próprios e das suas comunidades (ou fotografias herdadas) em Lisboa desde 1975, ano em que Portugal deixou de dominar nas ex-colónias.
Há recordações de momentos de gravidez, ou de festas de casamento, ou simplesmente de uma criança, aparentemente pobre, junto a uma casa.
Filipa Lowndes Vicente e Inocência Mata são responsáveis pela curadoria científica: “É uma exposição que quer tornar visíveis os rostos de pessoas, que são sempre vistas como não fazendo parte do corpo da nação. É uma exposição que, através da fotografia, dá uma voz a essas pessoas”, comentou Inocência Mata, no Buala.
É uma exposição de autorrepresentação, valorização e de empoderamento da comunidade africana e afrodescendente.
Lisboa, explica a organização, é uma das cidades mais africanas da Europa – a maioria dos africanos que deixaram o país natal depois do 25 de Abril veio para Lisboa.
“Chorei”
Os ecos desta exposição já chegaram ao Reino Unido.
No jornal The Guardian, Filipa Lowndes Vicente admitiu que há imagens “violentas”, mas precisava de criar esta “contra-narrativa”. Ou seja, apresentar outro lado do legado colonial português: a grande e importante comunidade de africanos ou descendentes de africanos em Portugal.
“A fotografia colonial é, muitas vezes, uma forma de desumanização. Por isso, senti realmente a necessidade de ver como a fotografia pode ser usada como forma de autorrepresentação, de autoexpressão, de humanizar as pessoas”, explicou a responsável.
Chalo Correia, cantor, compositor e produtor cultural angolano, soube desta iniciativa e quis participar.
O artista vive há mais de 30 anos em Portugal, onde se tem apercebido de muitos sinais de racismo subtil, que o fizeram sentir que nunca pertenceria totalmente a Portugal.
Pegou em três fotografias (com amigos numa esplanada, num baptizado e numa festa de família) e cedeu-as à exposição.
Meses depois, foi ver a exposição: “Chorei”, confessa. “Senti que compreendia todos os que estavam naquelas fotografias, mesmo que não os conhecesse”.
Filipa acrescenta: “Tivemos um colonialismo tão tardio, um colonialismo tão anormal e absurdo até 1975. E, portanto, estas histórias estão muito presentes no nosso dia-a-dia”.
Recorde-se: a exposição é no Padrão dos Descobrimentos, um monumento de homenagem a grandes figuras dos tempos dos “descobrimentos” portugueses. Por isso, algumas famílias recusaram participar.
Mas Filipa Lowndes Vicente explica: “Dentro do monumento, estamos a dar outro significado ao próprio monumento, com esta exposição”.
E é uma forma de fazer as “reparações” que Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu.