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Os EUA não são o mundo. Dois momentos recentes lembraram isso

Rolex De la Peña / EPA

Jogadores dos EUA frustrados depois da derrota contra a Alemanha

Mais do que um contexto desportivo, um contexto cultural diferente. E a Alemanha é a (verdadeira) campeã do mundo de basquetebol.

Noah Lyles foi campeão mundial dos 200 metros. Logo após a sua vitória (dupla, porque tinha vencido também nos 100 metros) nos Mundiais de atletismo, na Hungria, disse umas frases que não agradaram a todos.

Durante a conferência de imprensa, o atleta mais rápido do planeta foi questionado sobre o contexto actual do atletismo.

Depois de algumas ideias sobre a própria modalidade e sobre o respeito pelos antigos campeões do mundo, chegou a comparação com o basquetebol.

Mais precisamente com a NBA: “Sabes, o que me magoa mais é que vejo a final da NBA e eles dizem que os vencedores são ‘campeões mundiais’. Campeões mundiais do quê? Dos Estados Unidos?” – gargalhada geral na sala de imprensa.

A explicação continuou: “Não me interpretem mal. Eu adoro os EUA – às vezes – mas os EUA não são o mundo. Nós (apontando para os outros dois atletas medalhados na final dos 200m) somos o mundo. Quase todos os países lutam aqui no Mundial. Tentam chegar ao topo, colocar a sua bandeira para mostrar que estão representados”.

“Não há bandeiras na NBA. Temos de fazer mais. Temos de ser apresentados ao mundo”, completou Noah Nyles, que mereceu aplausos.

Quem não aplaudiu foram alguns dos basquetebolistas dos EUA mais conhecidos, lembrando que na NBA (ou no basebol, onde a final da MLB são as World Series) diz-se que o vencedor é o campeão mundial porque, alegam, é na NBA que estão todos os melhores jogadores de basquetebol do planeta.

É mais do que uma questão desportiva: é uma questão cultural. Que se prolonga há décadas.

Há uma ideia generalizada (sempre arriscada) que a maioria dos habitantes dos EUA conhece e sabe o que se passa num raio de 100 quilómetros. Ou, no máximo, no Estado onde vive. O resto é indiferente e nem procuram saber. O “mundo” é só ali.

Entre muitos outros exemplos, Lúcia Moniz, famosa cantora e actriz portuguesa, contou – há muitos anos – que, quando foi estudar para os EUA, os locais quiseram saber onde tinha nascido. Ao responder que é portuguesa, os jovens adultos universitários dos EUA perguntaram-lhe: “Alguma vez estiveste na Europa?”.

Até que…

…a verdadeira campeã mundial de basquetebol foi a Alemanha.

A selecção alemã surpreendeu a própria Alemanha: ainda se escreve que “parece irreal”, em jornais alemães.

Não estava na lista dos favoritos à conquista do título (apostar 1 euro no título alemão daria direito a 4.200 euros, antes do torneio). Aliás, a Alemanha nunca tinha estado numa final de um Mundial sequer.

Ganhou os jogos todos no torneio. Incluindo a final contra a Sérvia deste domingo, por 83-77.

E incluindo a meia-final contra… os EUA. Foi aí que, duas semanas depois, as palavras de Noah Nyles foram ainda mais partilhadas. Porque os EUA não foram campeões mundiais.

É certo que, mais uma vez, a selecção dos EUA não viajou com os melhores jogadores da NBA – muitos consideram que, se isso acontecesse, ganharia sempre. Todos os jogos.

No entanto, os 12 convocados jogam na NBA. Com bons jogadores pelo meio, incluindo All-Star.

E a selecção da Alemanha tinha apenas quatro jogadores da NBA. Nenhum deles é uma estrela também. A maioria do plantel alemão joga na Europa, não na NBA.

Assim, quatro jogadores “normais” da NBA, ao lado dos que jogam na Europa, derrotaram 12 jogadores “normais” da NBA.

“Depois do resultado de sexta-feira (vitória da Alemanha sobre os EUA), a equipa com menos jogadores da NBA passou a ser a única com hipótese de ser campeã mundial”, lia-se no jornal Los Angeles Times.

Os EUA saíram do Mundial sem qualquer medalha: perderam com o Canadá por 127-118, após prolongamento, na disputa pelo bronze.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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