Na madrugada de 21 de junho, explosões na refinaria Philadelphia Energy Solutions, no sul da Filadélfia, Estados Unidos (EUA), sacudiram as casas, enviaram bolas de fogo para o ar e acordaram os moradores próximos. Este incidente colocou em cima da preocupações sobre os riscos associados ao uso de fluoreto de hidrogénio, material que foi libertado nas explosões.
“Três grandes explosões, uma após a outra”, relatou David Masur, que mora a cerca de três quilómetros da refinaria e tem dois filhos pequenos. “É um pouco estressante”, indicou, citado pela NPR na passada sexta-feira.
David Masur viu a refinaria a cuspir uma fumaça negra por cima da cidade, situação facilmente visível da sua casa. Mas o que não sabia na época era o quanto ele próprio e a sua família estavam próximos de serem expostos ao fluoreto de hidrogénio, um dos produtos químicos mais letais usados em refinarias e noutras indústrias.
O pior desastre ocorrido na Philadelphia Energy Solutions incluiu a libertação de uma enorme quantidade de fluoreto de hidrogénio em 10 minutos, que poderia deslocar-se como uma nuvem tóxica por mais de 11 quilómetros e atingir um milhão de pessoas, escolas, residências, hospitais, prisões e parques, bem como um abrigo de vida selvagem.
As autoridades municipais, estaduais e federais afirmaram que nenhum dos monitores aéreos dentro ou ao redor da refinaria – ou as amostras de ar coletadas pelo departamento de saúde da cidade – detetaram o produto químico. Uma porta-voz da Philadelphia Energy Solutions indicou que nenhum trabalhador foi exposto ao incidente.
A explosão destruiu uma das unidades da refinaria, onde o petróleo bruto é convertido em gás com alto índice de octano, levando ao seu encerramento.
Duas outras refinarias na Filadélfia também usam fluoreto de hidrogénio, assim como cerca de quatro dúzias em todo o país. As explosões na Filadélfia, juntamente com os acidentes semelhantes que ocorreram nos últimos quatro anos, estão a desencadear preocupações sobre as medidas de segurança inadequadas ou insuficientes, assim como pedidos para acabar com o uso desse produto químico.
Uma sequência de “quase erros”
Um relatório de 2013 divulgado pela United Steelworkers – sindicato que representa os trabalhadores das refinarias – alertou que as instalações que usam fluoreto de hidrogénio não têm medidas de segurança adequadas e não estão preparadas para uma fuga desse material. Isso coloca 12 mil trabalhadores e 13 milhões de habitantes em risco, inclusive em grandes áreas metropolitanas como Houston, Memphis e Salt Lake City.
O relatório apontou igualmente 131 “incidentes ou quase acidentes relacionados com o fluoreto de hidrogénio” nos três anos anteriores à publicação do relatório e pediu a retirada gradual do material.
Para aqueles que conhecem profundamente os perigos associados ao fluoreto de hidrogénio, a notícia da explosão na refinaria da Filadélfia teve um impacto que ecoou além das nuvens de fumaça negra, indicou a NPR.
“Não se deve olhar e dizer: ‘Uma bomba nuclear explodiu e nada foi libertado, então isso deve significar que é seguro'”, afirmou a engenheira e ativista Sally Hayati. “Não, isso significa apenas que o resultado foi tal que não chegou a ser divulgado. Dezenas de milhares de pessoas podiam ter morrido”.
Sally Hayati mora perto de uma refinaria no subúrbio de Los Angeles e trabalha com a Torrance Refinery Action Alliance. Em 2015, naquela que era então a refinaria da ExxonMobil em Torrance, uma explosão projetou um equipamento de 80 mil libras (cerca de 89 mil euros) para perto de um tanque cheio de fluoreto de hidrogénio.
A ativista disse que seria difícil fugir de uma libertação de fluoreto de hidrogénio nas instalações de Torrance, bem como nas refinarias na área da Filadélfia. “Não há lugar para onde fugir, e não haveria tempo”, frisou.
O Chemical Safety Board, uma agência federal independente que investigou o incidente em Torrance, criticou o equipamento ultrapassado da ExxonMobil e os procedimentos de segurança insatisfatórios. A ExxonMobil referiu ter seguido “medidas de segurança rigorosas”, e não havia provas de que a explosão representasse um risco para a comunidade. A refinaria é agora propriedade da PBF Energy.
Sally Hayati contou que o seu grupo tem pressionado para proibir o uso de fluoreto de hidrogénio, mas a indústria opõe-se.
Uma nuvem tóxica num local de teste em Nevada
A experiência definitiva sobre a libertação de ácido fluorídrico foi em 1986, e não correu bem. Foi a petrolífera Amoco, que estava a construir uma refinaria no Texas e esperava usar um sistema de reservatórios para ajudar a mitigar qualquer vazamento de fluoreto de hidrogénio, que solicitou o teste.
O físico e especialista em segurança química Ron Koopman – que trabalhou no Laboratório Nacional Lawrence Livermore por 36 anos – conduziu a experiência. Segundo o próprio, quando cerca de mil galões de fluoreto de hidrogénio foram libertados no local de testes no deserto de Nevada, os resultados foram chocantes.
O fluoreto de hidrogénio transformou-se numa nuvem de vapor em expansão. Um vídeo aterrorizante da experiência mostra nuvens brancas da toxina cada vez maiores, movendo-se rapidamente pelo solo. Ron Koopman contou que concentrações mortais de fluoreto de hidrogénio viajaram por quilómetros.
Em entrevista à NPR, Ron Koopman disse que “as pessoas nunca deveriam ter sido autorizadas a viver tão perto das refinarias. É simplesmente inconcebível ter permitido que isso acontecesse”.
O físico indicou que as pessoas expostas ao fluoreto de hidrogénio têm “uma morte terrível”. A substância química penetra na pele e reage com o cálcio presente nos ossos. Engolir apenas uma pequena quantidade pode ser fatal, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Níveis baixos no estado gasoso podem irritar os olhos, o nariz e o trato respiratório. Respirá-lo em níveis altos “pode causar a morte por batimento cardíaco irregular ou acumulação de líquido nos pulmões”.
A melhor maneira de atenuar uma libertação de fluoreto de hidrogénio é borrifar água. A refinaria de Philadelphia Energy Solutions também empregava um sistema de segurança que atuava rapidamente caso os tanques de fluoreto de hidrogénio fossem atingidos. Um funcionário da refinaria disse ao Philadelphia Inquirer que foi isso que salvou a comunidade vizinha de impactos potencialmente mortais.
Gestão de riscos
A Agência de Proteção Ambiental (EPA) exige que as refinarias registem os piores cenários possíveis em caso de libertação de produtos químicos tóxicos como parte dos seus planos de gestão de riscos. Mas não é fácil para os moradores próximos descobrirem quais são. Embora sejam públicos, os planos só estão disponíveis para visualização em 10 escritórios da agência em todo o país (incluindo um na Filadélfia), e não podem ser fotocopiados.
Apenas dois meses antes da explosão no sul da Filadélfia, o Chemical Safety Board instou a EPA a reavaliar os seus planos de gestão de riscos e considerar se esses são suficientes. O último estudo da EPA nessa área foi em 1993.
A carta referencia a explosão de 2015 em Torrance, na Califórnia, bem como uma explosão e incêndio em 2018 na refinaria Husky, em Superior, Wisconsin. Neste último caso, os detritos não atingiram os tanques de armazenamento de fluoreto de hidrogénio, mas perfuraram um depósito de betume. Onze trabalhadores ficaram feridos e partes da cidade foram evacuadas.
O presidente da câmara de Superior pediu à refinaria que parasse de usar fluoreto de hidrogénio. Os proprietários apontaram que, de todo o fluoreto de hidrogénio usado no país, apenas entre 2 a 4% são utilizados em unidades de alquilação.
Mas Daniel Horowitz, ex-diretor administrativo do Chemical Safety Board, disse que os outros usos – incluindo a refrigeração e produção de produtos eletrónicos – não armazenam tanto fluoreto de hidrogénio no local, e não estão tão próximos de hidrocarbonetos altamente inflamáveis.
A Administração Obama reforçou aa proteção contra a libertação acidental de produtos químicos tóxicos e a resposta a emergências. Durante a Adminstração Trump, a EPA tentou atrasar esse processo e, em 2018, propôs a reversão de algumas partes, incluindo a exigência de que a indústria avaliasse alternativas mais seguras.
Alternativas possíveis
A indústria defende o uso de fluoreto de hidrogénio. De acordo com o American Petroleum Institute, este material tem sido usado com segurança desde a Segunda Guerra Mundial, com impactos mínimos e sem fatalidades fora do local. O porta-voz, Scott Lauermann, referiu que a principal prioridade do setor é proteger a saúde e a segurança dos funcionários e das comunidades.
“Além da fiscalização de várias agências governamentais, as refinarias também têm padrões operacionais rigorosos, projetados para mitigar ainda mais os riscos e garantir operações seguras”, disse em comunicado.
Cerca de 50 refinarias em todo o país usam ácido sulfúrico nas suas unidades de alquilação, substituindo o fluoreto de hidrogénio. Essa alternativa é considerada mais segura porque, caso seja libertado, esse acumular-se-á como um líquido, ao nível do solo. Mas é caro para as refinarias converterem fluoreto de hidrogénio em ácido sulfúrico.