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“Eu fiz parte da Troika e claramente não tínhamos legitimidade política nenhuma”

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O antigo chefe de missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) para Portugal, Poul Thomsen, disse hoje que a ‘Troika’ “claramente” não tinha “legitimidade política” na altura da sua atuação, e que a situação europeia não mudou desde então.

“A Troika, e eu fiz parte da Troika: claramente não tínhamos legitimidade política. Nenhuma. Não há nada nos tratados que diz que se tem de ouvir a Troika“, disse hoje no Fórum Financeiro Outlook 2021, que decorre na Culturgest, em Lisboa.

O antigo membro da estrutura do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), que decorreu entre 2011 e 2014 e foi implementado pelo FMI, Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia, considera que em termos de governação se voltou ao “status quo ante” (o estado em que as coisas estavam).

“A nível europeu, o que vimos realmente na governação foi que a Comissão Europeia, o Eurogrupo, regressaram ao ‘status quo ante’ de essencialmente internalizar políticas domésticas“, afirmou.

O economista dinamarquês afirmou que “não houve integração política desde então que permitisse uma interferência, se quiserem, do género da Troika, de uma forma politicamente legítima”, disse ao auditório.

“Não é surpreendente que tenhamos regressado ao ‘status quo ante'”, reforçou.

Antes da sua intervenção, o também professor universitário já tinha dito à Lusa que considerava que programa de ajustamento português “teve sucesso”.

O economista dinamarquês destacou à Lusa a importância do consenso político por parte dos principais partidos políticos da época, ao contrário do que acontecia na Grécia.

“Acho que o ponto crítico foi que havia um consenso político na época. Eu estive a negociar e a dirigir o trabalho na Grécia por um ano, onde o programa colapsou – é uma palavra forte, mas falhou – por falta de unidade política”, disse Thomsen.

O ex-diretor do Departamento Europeu do FMI disse que quando a ‘Troika’ veio a Portugal “deixou claro que o programa precisava ser apoiado não só pelo governo socialista que estava no poder, mas também pela oposição social-democrata”.

Depois de “Portugal ter saído do abismo, o debate político normal retomou, e penso que isto fala muito bem do corpo político português, ao entender que existe um interesse nacional que se sobrepõe à luta partidária”, considerou.

O ex-chefe da missão do FMI para Portugal disse também que a austeridade na Europa é “um bocado um mito” em termos macroeconómicos, lembrando que países como a França não têm reduzido a dívida, ao contrário de Portugal.

“Onde está a austeridade? Austeridade é um bocado um mito. Sim, há muita gente que está a sofrer, particularmente os jovens estão a carregar muito o fardo, mas isso reflete o problema das reformas insuficientes nas pensões“, disse Poul Thomsen.

O economista dinamarquês destacou o caso da França, onde “a dívida passou de 20% do PIB em 1980 para, antes da crise do coronavírus, 100% do PIB. Nunca baixou, nunca. Subiu sempre“.

“Não estou a dizer que as pessoas não sentem austeridade. Muita gente vai sentir austeridade pela falta de reformas estruturais, mas do ponto de vista macroeconómico, com a dívida a subir, não [há austeridade]”, comentou.

O ex-diretor do Departamento Europeu do Fundo Monetário Internacional (FMI) disse ainda que é contra a reforma das regras orçamentais na União Europeia.

“Acho que há muita desinformação. O problema que a Europa tem, e aqui não estou a pensar em Portugal em particular – na verdade, menos em Portugal – é que os países com dívidas elevadas, como Itália, França, Espanha, Grécia – e vamos excluir Portugal por um tempo – não estão a fazer nada para reduzir a dívida, por causa de profundos problemas estruturais”.

Nesse sentido, Poul Thomsen destacou que “não faz sentido mudar as regras orçamentais sem que haja reformas estruturais para recuperar o controle da dívida”.

“Mudar as regras orçamentais, a meu ver, é apenas um exemplo de mudar algo para que tudo continue igual”, considerou.

Para o economista, as pensões também devem ser abordadas no debate em termos de ajustes macroeconómicos.

“Eu acho que a questão das pensões é a questão-chave enfrentada por quase todos esses países com dívidas altas. Também alguns dos países com dívidas mais baixas, mas é menos uma ameaça à estabilidade macroeconómica”, considerou.

Lusa //

3 Comments

  1. Pois é…. nada como alguém do “sistema” para falar do sistema!…
    Agora é olhar para quem lucrou com troika (o gangue do Passos e companhia e, externamente) a ver se se faz luz em algumas cabeças…
    Neo-capitalismo e “interesses económicos” no seu expoente máximo!….

  2. Este dinamarquês não aprendeu nada. A sua solução, tão simples quanto ridícula, é “mexer nas pensões”. Não diz como, mas .é simples advinhar, bastando relembrar a proposta da Troika e Passos Coelho: o sistema de pensões passava a ser baseado nas jogadas financeiras das empresas (seguros, banca, fundos de investimento, etc) nas quais colocaríamos os nossos descontos mensais para a reforma. Se essas jogadas derem lucro, nós ganhamos, se não, perdemos. Foi o que aconteceu em países comos os EUA entre 2008 e 2012, em que muitos pensionistas perderam tudo o que tinham amealhado para a reforma, porque as empresas onde investiram as suas poupanças/”descontos” entraram em falência. Os exemplo que temos em Portugal da “boa” gestão desses tipo de empresas e de fundos de investimento são claros. Não são seguras, de modo nenhum. Além disso, a solução que o homem da troika propõe parte do princípio que o “capitalismo financeiro” gera riqueza sustentável. É mentira, como os últimos 40 anos das sociedades ocidentais mostram: os jogos financeiros mataram o capitalismo como meio de criar riqueza e melhoria social (o que foi verdade até meados de 1980).A grande reforma estruturala fazer é acabar com esse tipo de colete de forças onde o neoliberalismo financeiro nos meteu.

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