Epstein-Barr é o nome de um vírus que infeta a maioria das pessoas em algum momento das suas vidas. Um novo estudo vem provar que a infeção por Epstein-Barr pode causar esclerose múltipla, uma doença autoimune que afeta 36 pessoas por cada 100 000.
A comunidade científica já suspeitava de que este vírus poderia estar relacionado com o desenvolvimento de esclerose múltipla.
No entanto, até então, não tinham conseguido desvendar de que forma é que o Epstein-Barr poderia induzir o sistema imunológico a atacar as próprias células do corpo.
Um novo estudo, desenvolvido por uma equipa de investigação da Universidade do Texas, deu um passo em frente nesta incógnita e conseguiu mostrar que este vírus recruta células imunitárias nas fases iniciais da esclerose múltipla, altura em que os primeiros sintomas começam a surgir.
Nem todas as pessoas infetas com o vírus Epstein-Barr desenvolvem esclerose múltipla. Estima-se que o desenvolvimento da doença, nos casos em que acontece, ocorra vários anos após a infeção pelo vírus, o que dificulta a correlação entre ambos os eventos.
A esclerose múltipla é uma doença autoimune em que o sistema imunológico ataca a barreira de mielina das fibras nervosas do cérebro e medula espinal.
Em investigações anteriores, sugeriu-se que tal acontecia devido a um mecanismo de mimetismo molecular entre as proteínas do vírus Epstein-Barr, que o sistema imunológico reconhece como estranho, com as moléculas encontradas no cérebro e na mielina.
Ou seja, uma vez que ambas as moléculas são muito similares, o sistema imunológico acredita que está a atacar e eliminar proteínas virais quando, na verdade, está a atacar as suas próprias células.
Neste sentido, os anticorpos produzidos pelas células B, um tipo de glóbulo branco, ligam-se à molécula errada por engano, sinalizando-a como uma molécula por destruir.
Porém, não se trata apenas de um problema das células B. As células T, um outro tipo de glóbulo branco, são soldados importantes que reconhecem o alarme das células infetadas e os apresentam como fragmentos de proteínas distintos, designados por antigénios, na sua superfície externa.
Quando uma célula T reconhece a marca um invasor estranho, é produzido um exército de células T específicos para aquele antigénio específico. Esta é a base do sistema imunológico que descreve as estratégias por ele utilizadas para eliminar infeções de bactérias e vírus.
De modo a analisar esta parte específica do sistema imunológico, a investigadora Assaf Gottlieb e a sua equipa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, ampliaram as interações entre as células T no sangue e no líquido cefalorraquidiano de oito pacientes em estados iniciais de esclerose múltipla, em células cultivadas e infetadas com o vírus Epstein-Barr.
Os investigadores compararam as respostas das células T ao vírus Epstein-Barr, às células infetadas por este vírus e a outros vírus comuns, incluindo a gripe. Depois de estabelecerem a interação, isolaram e sequenciaram os antigénios, recetores presentes nas células T, de modo a perceber que moléculas é que estes reconheciam.
Os resultados mostraram que, na amostra de sangue dos pacientes, 13% das células T tinham recetores que reconheciam células infetadas pelo vírus, enquanto apenas 4% reconheciam células infetadas com o vírus da gripe.
Já no líquido cefalorraquidiano, os resultados foram surpreendentes. O número de células T que reconhecem células infetadas pelo vírus Epstein-Barr explodiu, representando 47% das células analisadas.
Os resultados são bastante claros e indicam que as células T reconhecidas pelas células infetadas estão presentes no líquido cefalorraquidiano nas fases iniciais da esclerose múltipla, sugerindo, portanto, que estas desempenham um papel importante no desenvolvimento da doença.
“Os nossos resultados sugerem que as células T estão a causar a doença ou a contribuir para ela de alguma forma” explica J. William Lindsey, autor principal do estudo publicado na PNAS. “Estamos a realizar mais experiências para perceber o que é que estas células estão exatamente a fazer”, acrescenta.
Outros investigadores, que não estão envolvidos na investigação, consideram que este estudo oferece provas contundentes acerca do papel do vírus Epstein-Barr no desenvolvimento da esclerose múltipla — ressalvam no entanto que o estudo foi conduzido com apenas 8 pacientes, o que é um número bastante reduzido.
Serão necessários mais estudos com amostras reduzidas para compreender os detalhes por detrás deste mecanismo, bem como estudos alargados, que consigam estabelecer padrões.
Acredita-se também que este vírus possa ser responsável pela síndrome da fadiga crónica, conhecida como encefalomielite miálgica. Esta promissora investigação poderá, neste sentido, servir como base para melhor compreender outras doenças.