Um sistema com quatro planetas, observado há vários anos atrás pelo telescópio Kepler, é verdadeiramente raro: os planetas, todos mini-Neptunos situados perto da estrela, orbitam numa ressonância única bloqueada há milhares de milhões de anos.
Por cada três órbitas do planeta mais exterior, o segundo orbita quatro vezes, o terceiro seis vezes e o mais interior oito vezes.
Estas ressonâncias orbitais não são incomuns – o nosso próprio planeta anão, Plutão, orbita o Sol duas vezes durante o mesmo período que Neptuno leva a completar três órbitas -, mas uma ressonância entre quatro planetas é.
Astrónomos da Universidade de Chicago e da Universidade da Califórnia que relatam a descoberta na Nature, estão particularmente interessados neste sistema estelar porque pensa-se que os quatro planetas gigantes do nosso Sistema Solar – Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno – já tiveram órbitas ressonantes que foram perturbadas algures durante a sua história de 4,5 mil milhões de anos.
De acordo com o coautor Howard Isaacson, astrónomo de Berkeley, o sistema Kepler-223 pode ajudar-nos a entender como o nosso Sistema Solar e outros sistemas estelares descobertos nas últimas décadas se formaram.
Em particular, pode ajudar a resolver se os planetas ficam no mesmo lugar em que se formam ou se se movem para mais perto ou mais longe da estrela ao longo do tempo.
“Basicamente, este sistema é tão peculiar no modo em que está bloqueado em ressonâncias que sugere fortemente que a migração é o método pelo qual os planetas se formam – isto é, migrando para o interior depois de se formarem mais longe”, afirma.
A missão Kepler da NASA revelou muitos cenários alternativos para a forma como os planetas se formam e migram num sistema planetário diferente do nosso.
“Antes de descobrirmos exoplanetas, pensávamos que cada sistema se formava como o nosso”, explica Isaacson. “Graças ao Kepler, temos agora Júpiteres quentes, muitos planetas que estão mais perto da sua estrela que Mercúrio ou com um tamanho entre a Terra e Neptuno. Sem a descoberta de exoplanetas, não saberíamos que a Terra é uma espécie de outlier“.
Como parte da equipa de Pesquisa de Planetas da Califórnia, Isaacson obteve um espectro de Kepler-223 em 2012, usando o espectrómetro HIRES (High-Resolution Echelle Spectrometer) acoplado ao telescópio Keck-1 de 10 metros situado no topo de Mauna Kea, Hawaii.
O espectro revelou uma estrela muito semelhante em tamanho e massa com o Sol, mas mais antiga – com mais de seis mil milhões de anos.
“Precisamos de saber o tamanho exato da estrela para fazer a análise dinâmica e de estabilidade, que envolve estimativas da massa dos planetas”, comenta. “O telescópio Keck é absolutamente fundamental a esse respeito”.
Sean Mills, da Universidade de Chicago, e os seus colaboradores, usaram em seguida dados de brilho do telescópio Kepler para analisar como os quatro planetas bloqueiam a luz estelar e mudam as órbitas uns dos outros, inferindo assim os tamanhos e massas dos planetas. A equipa realizou simulações numéricas de migração planetária que poderia ter gerado a arquitetura atual do sistema.
“Exatamente como e onde se formam planetas é uma questão importante na ciência planetária”, comenta Mills. “O nosso trabalho testa essencialmente um modelo de formação planetária para um tipo de planeta que não temos no nosso Sistema Solar”, explica.
A ressonância pode ter sido criada em apenas 100 mil anos, à medida que cada planeta migrava para suficientemente perto dos outros para ser capturado. Os astrónomos suspeitam da existência de circunstâncias especiais que permitiram que a ressonância persistisse por seis milhões de anos.
“Estas ressonâncias são extremamente frágeis”, afirma o coautor Daniel Fabricky, da Universidade de Chicago. “Se os corpos estavam a voar em redor e a bater uns nos outros, então teriam desalojado os planetas dessa ressonância”.
Os cientistas suspeitam que os planetas gigantes do nosso Sistema Solar podem ter saído de ressonâncias parecidas com a de Kepler-223, possivelmente depois de interagir com inúmeros asteroides e planetas pequenos ou planetesimais.
Outros processos, incluindo forças de maré que flexionam os planetas, também podem provocar a separação de ressonâncias.
“Muitos dos sistemas multiplanetários podem começar com uma cadeia de ressonâncias como esta, apesar de frágeis, o que significa que estas ‘correntes’ normalmente se partem em longas escalas de tempo parecidas com aquelas inferidas para o Sistema Solar”, conclui Fabrycky.