Uma investigação levada ao cabo ao largo de Moçambique indica que as correntes no fundo do mar são muito mais imprevisíveis do que se pensava, o que põe em causa a fiabilidade dos modelos de medição atuais.
Um estudo inovador publicado na revista Nature Geoscience revelou uma dinâmica surpreendente nas correntes marítimas profundas, pondo em causa os pressupostos anteriores sobre a forma como a água se move perto do fundo do mar. A investigação, baseada num conjunto de dados sem precedentes, sugere que as correntes oceânicas profundas, que há muito se pensava serem estáveis e previsíveis, são muito mais variáveis e complexas do que se previa.
O estudo centrou-se nas correntes do fundo do mar ao largo da costa de Moçambique, uma região onde se pensava que as correntes fluíam consistentemente de sul para norte. No entanto, os novos resultados mostram que as correntes de profundidade mudam frequentemente de velocidade e até invertem a direção. Esta descoberta tem implicações significativas na forma como os cientistas modelam as correntes oceânicas e os seus efeitos no transporte de sedimentos, na distribuição de poluentes e nas reconstruções históricas dos oceanos.
A complexidade da medição das correntes marítimas de profundidade tem limitado os estudos anteriores. Normalmente, os cientistas utilizam sensores chamados perfiladores acústicos de correntes Doppler (ADCPs), que são colocados no fundo do mar para medir a velocidade e a direção da água. No entanto, a instalação e manutenção destes instrumentos é dispendiosa e a recolha de dados tem sido frequentemente limitada a curtos períodos de tempo.
Neste estudo, os cientistas beneficiaram de uma oportunidade única quando a empresa italiana de petróleo e gás Eni instalou 34 ADCPs em 2500 quilómetros quadrados do Canal de Moçambique. Estes instrumentos recolheram dados a cada 10 minutos durante quatro anos, oferecendo aos cientistas uma visão abrangente das correntes marítimas de profundidade na região, explica o Live Science.
Inicialmente, os dados pareciam contradizer o entendimento convencional das correntes marítimas de profundidade. Lewis Bailey, autor principal do estudo e geocientista da Universidade de Calgary, recordou o seu ceticismo inicial ao analisar os dados. “A primeira coisa que pensei foi: ‘Isto não pode estar certo‘”, disse Bailey. Mas após uma análise minuciosa, tornou-se claro que as correntes eram muito mais variáveis do que o esperado.
A equipa descobriu que as correntes no fundo do mar aceleravam, abrandavam ou invertiam frequentemente a direção, mesmo entre ADCPs posicionados relativamente perto uns dos outros. A variabilidade parecia ser influenciada por fatores como as alterações sazonais, os ciclos das marés e a topografia do fundo do mar. Em particular, as correntes nos desfiladeiros submarinos – vales submarinos estreitos – tendiam a inverter a direção, fluindo para cima ou para baixo ao longo do comprimento do desfiladeiro.
Estas descobertas sugerem que os modelos existentes de correntes oceânicas, que são frequentemente utilizados para acompanhar o transporte de sedimentos e a poluição no mar profundo, podem ser demasiado simplificados.
O estudo fornece informações importantes, mas baseia-se em dados de uma única região oceânica. Será essencial efetuar mais investigação em diferentes áreas dos oceanos para compreender plenamente a variabilidade das correntes marítimas profundas e melhorar as simulações existentes.