“Temos de marcar um jantar” – e o jantar nunca acontece. Desde quando somos tão ocupados?

Sete motivos possíveis neste artigo. Parece que ficar ocupado passou a ser cool. A internet é a responsável? Depende.

Temos quase a certeza de que todas as pessoas que estão a ler estas palavras identificaram-se com o que está no título deste artigo.

Porque lembraram-se que, na vossa vida, já aconteceu um caso desses. Ou 10. Ou 100 casos.

E então nos primeiros tempos da pandemia? Aí é que era: “Quando isto voltar ao normal, temos de nos encontrar!” – e até hoje…

Olhamos para o nosso calendário digital e vemos que, no próximo fim-de-semana, vamos assistir a um concerto e a uma peça de teatro. No outro há retiro. No seguinte há festas de aniversários de amigos da nossa filha. No seguinte ao seguinte…

Olhando bem, só em Agosto é que podemos combinar um jantar com aquele casal de amigos. Porque o mês está livre…para já. Porque, quando chegarmos a Agosto, vai estar tudo ocupado.

Desde quando nos tornámos tão ocupados?

Estamos realmente mais ocupados do que nunca? Ou apenas sentimo-nos mais ocupados? A nossa relação com o tempo mudou? Na última vez que verificámos, o dia continua a ter 24 horas. O que está a acontecer?

Um pouco de História

Não se pense que isto foi uma das muitas consequências da pandemia. Não foi. Vem de muito antes. Na verdade, embora noutra escala, começou com a revolução industrial de há 200 anos.

Os calendários “loucos” já surgiram, por escrito, na década 1960. O século XX foi, todos concordamos, o que mais fez o mundo avançar. Mas os avanços também aceleraram o planeta. Ou melhor, aceleraram as pessoas.

Em 2017 o portal Medium já sublinhava que estarmos sempre ocupados era o novo cool. Passou a estar na moda, a ser um status “fixe”.

Desde logo, no emprego. O portal citava os casos – então – recentes da presidente da Yahoo, que trabalhava 130 horas por semana, do director da General Electric que trabalhou durante 100 horas por semana durante 25 anos, ou do director da Apple que se levantava sempre antes das 4h da madrugada. Ou ainda do rapper Kanye West, que chegou a entrar num hospital psiquiátrico: psicose. Não dormia, trabalhava demais.

Voltando à revolução industrial, até ao século XVIII, a riqueza de uma pessoa era medida com base no tempo que essa pessoa gastava em lazer, em férias extravagantes ou em passatempos inúteis. Isso mudou quando a riqueza passou a ser o tempo gasto a trabalhar, explica o QZ. Quanto mais ocupado eu estava, mais valor tinha na sociedade e no mundo laboral.

Lazer e net

Mas as ocupações não são só no emprego, obviamente. Quando tentamos agendar algo para um sábado, ou para a noite de sexta-feira, por exemplo, muitos de nós estão ocupados com outros compromissos. Alguns exemplos já foram deixados ali em cima.

E depois, claro, veio a tecnologia. A internet, sobretudo. E aí é que tudo ficou mais instantâneo, com tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo.

A internet está muito relacionada com uma explicação para a pergunta: quando é que nos tornámos tão ocupados? Em dois sentidos: no emprego, em muitas profissões as coisas têm que aparecer prontas mais rapidamente (o jornalismo que o diga); no lazer, a oferta é muito maior.

Mas há muitos casos em que parece, para a própria pessoa, que ela está mesmo mesmo ocupada…mas não está. Na BBC o investigador Jonathan Gershuny defendeu que a carga de trabalho actual é exactamente a mesma do que antes. Não aumentou nas últimas décadas. E os dados mostram que as pessoas que dizem ser as mais ocupadas, geralmente, não são. Mas a economia é outra, a pressão é outra.

O problema aqui é que, como temos a sensação de estarmos sempre ocupados, essa mesma pressão aumenta – e não sabemos lidar tão bem com a nossa lista de tarefas. Se estivéssemos menos ocupados (na nossa crença), estaríamos mais tranquilos ao olhar para a nossa agenda.

Sete hipóteses

Para terminar, e porque o artigo já vai longo (e porque os nossos leitores têm mais que fazer, estão muito ocupados), vamos a sete hipóteses. Sete possíveis motivos que explicam esta aparente ocupação constante, nos nossos dias. Curiosamente, encontrámos a lista no portal Sloww.

A ocupação é uma espécie de distintivo de honra. Um símbolo de status da moda. Estar ocupado é quase glorificar-me. Mostrar-me (ou convencer-me) que sou importante. Para dar a mim próprio a sensação de que sou importante, para aumentar a minha auto-estima.

Estar ocupado é tentar estar seguro no emprego: dar a ideia aos outros de produtividade e lealdade à empresa.

Mostrar que estou ocupado também é motivo. Tenho que mostrar nas redes sociais que tenho coisas para fazer, que sou requisitado. Não posso ficar de fora.

A ocupação – e isto já foi abordado – é um produto da era digital. E já nem se separa a vida pessoal do trabalho, muitas vezes. Sou multi-tarefas e nunca me desligo do emprego.

Ocupar-me é preencher o meu tempo. Tenho tantas possibilidades (maior oferta) que não posso ficar aqui no sofá a olhar para o tecto.

A ocupação também pode ser uma necessidade: tenho dois ou três empregos porque há contas para pagar e há filhos para cuidar.

Por fim, ocupação pode ser um escape. Fujo da preguiça, da solidão – mas, sobretudo, ao estar ocupado, é menor a probabilidade de ter pensamentos mais profundos. Fujo dos problemas, do que me aflige.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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