As especiarias podem ajudar a nossa saúde intestinal? Eis o que diz a ciência

Quando se trata de questões sobre saúde e longevidade, muitos investigadores têm-se voltado para o microbioma intestinal – a comunidade de microrganismos como bactérias, vírus e fungos que vivem no intestino – para obter respostas.

Segundo um artigo da Inverse, os cientistas estão apenas a começar a compreender as muitas formas como o microbioma afeta a nossa saúde, mas os primeiros indícios sugerem que pode desempenhar um papel importante nos resultados de doenças como o cancro, a covid prolongada e a doença de Parkinson.

Determinar quais alimentos são benéficos para o microbioma é uma área de particular interesse. Nesta área entram as ervas e as especiarias, que são utilizadas de forma terapêutica há séculos. Os benefícios anti-inflamatórios e antioxidantes de especiarias como o alho, o gengibre e a pimenta malagueta estão bem documentados.

Mas o que sabemos nós sobre os alimentos picantes e o microbioma? As especiarias são benéficas para o microbioma intestinal?

Num estudo publicado no final de 2022 no Journal of Nutrition, uma equipa analisou o efeito do consumo diário de especiarias sobre o microbioma de pessoas com elevado risco de desenvolver doenças cardiovasculares. Essas especiarias incluíam canela, gengibre, cominho e curcuma (conhecida também como açafrão-da-índia).

Os 48 participantes tinham obesidade e pelo menos um outro fator de risco cardiovascular, tal como glucose elevada. Todos receberam a mesma dieta durante quatro semanas, mas três doses diferentes de ervas e especiarias: um grupo recebeu 0,5 gramas por dia, outro 3,3 gramas por dia, e o último 6,6 gramas por dia.

Um estudo publicado em 2019 na revista Nutrients revelou que uma cápsula de 5 gramas contendo especiarias, incluindo gengibre, pimenta preta e pimenta de caiena, mudou a composição das bactérias intestinais após duas semanas.

Em contraste com análises anteriores, como a de 2019, “o nosso estudo é o primeiro a analisar as especiarias consumidas como parte de refeições e ‘snacks'”,  em oposição a um suplemento, disse à Inverse Kristina Peterson, professora da Universidade Técnica do Texas e uma das investigadoras do estudo.

Os investigadores queriam verificar como a composição da família de bactérias Ruminococcaceae poderia mudar com o consumo de especiarias. A equipa concentrou-se nestas bactérias porque pesquisas anteriores sugeriram que as pessoas com mais Ruminococcaceae tinham um menor ganho de peso a longo prazo.

Outro estudo mostrou que as alterações na composição bacteriana intestinal em ratos, incluindo o enriquecimento de Clostridia das famílias Mogibacteriaceae e Ruminococcaceae, contribuíram para a supressão da obesidade induzida pela alimentação. “Isto sugere que as bactérias intestinais contribuem para vias metabólicas que aumentam o gasto de energia para proteger contra a obesidade induzida pela alimentação”, explicou a investigadora.

No estudo mais recente, os investigadores descobriram que todos os grupos tiveram um aumento da bactéria Ruminococcaceae – o grupo com o maior aumento na ingestão de especiarias viu as maiores alterações após quatro semanas.

“Eu hesitaria [em] descrever as bactérias como “boas” ou “más”, ainda não sabemos o suficiente. Além disso, precisamos de pensar em toda a estrutura do microbioma. Se as bactérias estão ou não a suprimir ou a aumentar o enriquecimento de outras bactérias e quais são as suas funções”, referiu Kristina Peterson.

Joe Schwarcz, diretor do Gabinete para a Ciência e Sociedade da Universidade McGill, concordou. O seu trabalho centra-se em ajudar as pessoas a interpretar com precisão a ciência e a informação sobre saúde.

“Temos de ter cuidado para não pôr o carro à frente dos bois. É tão fácil dizer, ‘temos de alimentar o nosso microbioma e assegurar que as bactérias boas se multipliquem à custa das bactérias más. Mas ninguém está realmente seguro do que são essas bactérias boas; mais de 500 espécies bacterianas foram isoladas do intestino. A verdadeira questão é: quais destas são benéficas de uma forma que tenha significado clínico?”, referiu o especialista.

Kristina Peterson está consciente da distinção. “Neste estudo, analisámos apenas a composição do microbioma intestinal (…) Precisamos de mais investigação para analisar o que estes organismos estão a fazer, a sua funcionalidade e como isso contribui para a saúde ou doença”, indicou.

“Agora que estabelecemos que a ingestão de ervas e especiarias como parte de uma alimentação que reflete o que os americanos comem afeta a composição da microbiota intestinal, podemos realizar mais estudos para compreender melhor o processo. Neste momento, é prematuro sugerir que as ervas e especiarias devem ser consumidas para a saúde intestinal”, explicou Kristina Peterson.

No entanto, esclareceu que outros benefícios de consumir ervas e especiarias não têm nada a ver com o microbiota intestinal.

“Adicionar ervas e especiarias é uma ótima forma de dar sabor a alimentos saudáveis como vegetais (…). Sabemos que os vegetais são bons para a saúde. Portanto, esta é outra forma de as ervas e especiarias poderem, indiretamente, ajudar a melhorar a alimentação e, por sua vez, a saúde”.

Mas Joe Schwarcz sublinhou: “não há razão para não adicionar especiarias à sua comida. Pode acrescentar alguma especiaria à sua vida. Só não espere que isso o faça viver mais tempo”.

ZAP //

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