Agastado com as tentativas fracassadas de governar com o acordo de Pablo Iglesias, o primeiro-ministro espanhol tentou na segunda-feira seduzir o eleitorado do Ciudadanos, que deverá ser o partido mais penalizado nas eleições de domingo. Num debate histórico, houve confrontos à esquerda e à direita e sobrou uma quase-certeza: o impasse deverá continuar.
“Sánchez procura o centro num debate sem saídas para o bloqueio”, escreveu o El País, citado pelo Expresso, acrescentando que o primeiro-ministro espanhol em funções “endurece as suas propostas contra a independência da Catalunha e evita qualquer piscadela de olho ao Podemos”.
Já o El Mundo titulou “Pedro Sánchez finge dureza mas não renega os independentistas”, segundo o qual “são poucas as possibilidades de começar 2020 com um Governo estável”.
O La Vanguardia puxou para título “O bloqueio impõe-se no debate eleitoral” e, em três subtítulos sucessivos, desenvolveu: “Sánchez mantém distância em relação a Iglesias e evita comprometer-se com uma coligação de esquerdas”, “As direitas enfrentam-se pelo mesmo eleitorado, com Casado a oferecer-se como alternativa”, “A crise catalã converte-se em arma de arremesso que condicionará a investidura”.
Estas são algumas das análises ao debate de segunda-feira em Madrid, no arranque de uma semana que terminará no domingo com as quartas eleições legislativas em quatro anos. Mas houve pontos de convergência: foi um debate histórico porque a extrema-direita marcou presença pela primeira vez, através do Vox, e porque houve um recorde de cinco candidatos (todos homens) em palco.
Além disso, a crise na Catalunha marcou o debate e irá seguramente marcar a próxima legislatura – e o caminho até ela, que parece com tantas ou mais incertezas do que o que saiu das eleições de 28 de abril.
Como noticiou a agência Lusa, no único debate entre os líderes dos cinco principais partidos políticos espanhóis, Pedro Sanchéz disse que o partido, se vencer as eleições de domingo, vai propor a alteração do Código Penal no sentido de proibir os referendos nas regiões autónomas.
Pedro Sánchez considera que a crise na Catalunha é de “convivência e não é uma crise de independência”, e apresentou três medidas a aplicar no futuro, como a proibição da realização de referendos (ilegais), e a adoção de uma disciplina no currículo escolar sobre valores civis e valores éticos.
Outra das medidas propostas pelo líder do PSOE diz respeito às televisões locais (“entidades audiovisuais”) que, segundo Pedro Sánchez, devem ser aprovadas por dois terços dos parlamentos autonómicos para evitar a manipulação da informação.
Em resposta, Pablo Casada (PP) e o líder da extrema-direita (Vox), Santiago Abascal, recordaram que foi o antigo primeiro-ministro socialista José Rodríguez Zapatero quem eliminou a lei que “penalizava a realização de referendos”.
O dirigente do partido Ciudadanos, o catalão Albert Ribera, exibiu um bloco de cimento para se referir aos confrontos na Catalunha. “Isto não é um pedaço do Muro de Berlim, é um bloco lançado às autoridades em Barcelona”, disse, responsabilizando o PSOE e o PP pela situação de violência na Catalunha.
Sánchez em busca do voto do Ciudadanos
No início do debate televisivo, o primeiro-ministro em funções, Pedro Sánchez, propôs um pacto para que o partido mais votado governe em minoria, referiu o Expresso.
Mas o que transpira verdadeiramente do debate, de acordo com o El País, é que já não há dois blocos que lutam por vencer as eleições: Pedro Sánchez retirou-se do eixo da esquerda para intensificar a batalha ao centro, em busca do voto órfão do Ciudadanos.
Segundo uma sondagem divulgada na segunda-feira pelo El Mundo, o Ciudadanos é o partido que mais deverá sofrer no domingo, caindo da terceira posição (conquistada em abril) para a quinta. O PSOE de Pedro Sánchez espera conseguir chamar a si os votos perdidos pelo partido de Albert Rivera e conquistar os 140 assentos parlamentares.
Pedro Sánchez acusou o PP, de Pablo Casado, de ter sido brando ao “deixar escapar [Carles] Puigdemont” – ex-presidente do Governo da Catalunha que se autoexilou na Bélgica – e ao permitir “que se fizessem dois referendos”.
A direita troçou de Pedro Sánchez por este estar a entrar no seu terreno de combate, enquanto Pablo Iglesias, líder do Unidas Podemos, o instava a não procurar a direita “ignorante e agressiva” e a assumir que o problema catalão só será resolvido com diálogo.
O confronto entre Pablo Casado e Albert Rivera também foi duro, ao ponto de o líder dos populares ter referido dois conselheiros catalães do PP, mortos às mãos da ETA, para pedir ao líder do Ciudadanos que parasse de “lhe dar lições”.
Já o líder do Vox, Santiago Abascal, criticou todos e prometeu ilegalizar os partidos independentistas e prender Quim Torra, atual presidente da Generalitat, o Governo da Catalunha.
Governo de coligação só parece possível à direita
Pablo Iglesias, que protagonizou com Santiago Abascal outro dos momentos tensos da noite por causa da Guerra Civil, insistiu num acordo à esquerda através de uma coligação. Foram, de resto, a sua insistência num Governo de coligação e a insistência de Pedro Sánchez num Executivo socialista, com o apoio do Podemos, que inviabilizaram a investidura e abriram caminho a novas eleições.
Apesar dos duros golpes que desferiram, os partidos da direita parecem dispostos a somar os assentos parlamentares que conseguirem para governarem em coligação – se necessário, com o apoio do Vox, como já acontece em várias comunidades. Um acordo de coligação à esquerda parece cada vez mais improvável.
De acordo com a sondagem do El Mundo, apenas dez assentos parlamentares separam a esquerda da direita e ainda há 35% de eleitores indecisos. Uma aliança entre o PSOE e o PP seria a única capaz de garantir estabilidade parlamentar, somando mais de 200 deputados, referiu o Expresso.
Os socialistas surgem com 27,9% nas intenções de voto e a possibilidade de elegerem entre 118 e 126 deputados, os populares com 20,3% e entre 89 e 97 assentos parlamentares. O Unidas Podemos deverá tornar-se a terceira força política, com 13,5% e entre 35 e 40 deputados, e o Vox a quarta, com 13,2% e entre 39 e 44 deputados. O Ciudadanos deverá cair para a quinta posição, com 8,9% nas intenções de voto e a possibilidade de eleger entre 16 e 19 deputados.
Nas eleições de abril, o PSOE foi o partido mais votado mas ficou longe da maioria absoluta, não tendo conseguido o apoio suficiente para continuar a governar. Para ser investido, o Congresso dos Deputados, a câmara baixa das Cortes Gerais espanholas, tem de votar o novo Executivo com mais de metade dos deputados (175 num total de 350), numa primeira votação, ou então por maioria simples numa segunda votação.