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Advogados medievais usavam pele de carneiro como método antifraude

Dave Lee

Uma equipa de investigadores identificou as espécies de animais usadas ​​em documentos legais britânicos que datam dos séculos XIII e XX e descobriu que, quase sempre, eram escritos em pele de carneiro.

Os cientistas das Universidades de Exeter, York e Cambridge, no Reino Unido, descobriram que os documentos legais britânicos dos séculos XIII a XX foram quase sempre escritos em pele de carneiro, em vez de pele de cabra ou bezerro.

A equipa realizou espectrometria de massa em 645 amostras de páginas individuais de documentos legais britânicos de arquivos e coleções particulares datando dos séculos XVI a XX e identificou proteínas que mostraram que 622 deles eram de pele de carneiro.

As ovelhas depositam gordura entre as várias camadas da pele. Durante a fabricação do pergaminho, a casca é submersa em cal, que retira a gordura, deixando espaços vazios entre as camadas. As tentativas de raspar a tinta resultariam no desprendimento dessas camadas – conhecido como delaminação -, deixando uma mancha visível e destacando qualquer tentativa de alterar a escrita.

A pele de carneiro tem um teor de gordura muito alto, representando até 30% a 50%, em comparação com 3% a 10% na pele de cabra e apenas 2% a 3% no gado bovino. Consequentemente, o potencial de raspagem para desprender essas camadas é consideravelmente maior na pele de carneiro do que noutros animais.

O uso contínuo de pele de carneiro em vez de pele de cabra ou bezerro nos séculos posteriores foi provavelmente influenciado pela sua maior disponibilidade e menor custo.

“Os advogados preocupavam-se muito com a autenticidade e a segurança, como podemos ver através do uso de selos. Mas agora parece que essa preocupação se estendeu à escolha da pele de animal que também usavam”, explicou Sean Doherty, arqueólogo da Universidade de Exeter, em comunicado.

Textos sobreviventes sugerem o uso de pele de carneiro como um dispositivo antifraude. O texto do século XII “Dialogus de Scaccario”, escrito por Richard FitzNeal, Lorde Tesoureiro durante os reinados de Henrique II e Ricardo I, instrui o uso de pele de carneiro nas contas reais, pois “não cedem facilmente ao apagamento sem que a mancha seja aparente”.

No século XVII, quando o papel era comum, o presidente do Supremo Tribunal, Edward Coke, escreveu sobre a necessidade de que os documentos legais fossem escritos em pergaminho “pois a escrita neles é menos sujeita a alterações ou corrupção”.

“Arquivo extraordinariamente molecular”

Por serem tão duráveis, milhões de documentos jurídicos antigos sobrevivem em arquivos e coleções particulares britânicos, mas são frequentemente negligenciados por causa da sua suposta falta de valor histórico.

Muitos foram descartados, queimados ou mesmo reaproveitados em abajures durante o século XX, após a Lei de Registo de Imóveis de 1925, que significava que não precisavam de ser guardados.

Até agora, pouco se sabia sobre estes documentos. Muitos foram incorretamente catalogados como pergaminho de pele de bezerro quando, na verdade, eram feitos de pele de carneiro.

“O texto escrito nestes documentos é frequentemente considerado de valor histórico limitado, visto que a maioria é tomada por rubricas estereotipadas. No entanto, as técnicas de investigação modernas significam que agora podemos não só ler o texto, mas também as informações biológicas e químicas registadas na pele. Como objetos físicos, são um arquivo extraordinariamente molecular através do qual séculos de artesanato, comércio e criação de animais podem ser explorados”, afirmou Doherty.

“O que o nosso estudo revela é que havia uma compreensão sofisticada das propriedades de diferentes produtos e que podiam ser explorados. No caso do pergaminho de pele de carneiro, as suas propriedades eram utilizadas para evitar fraudes pela alteração sub-reptícia de documentos legais importantes”, disse Jonathan Finch, do Departamento de Arqueologia da Universidade de York.

“A estrutura da pele evidenciava claramente qualquer tentativa de apagar ou alterar o texto original. O sucesso desse estudo abre um novo potencial no estudo de produtos de origem animal ao longo do período histórico”, rematou.

Este estudo foi publicado este mês na revista científica Heritage Science.

Maria Campos, ZAP //

 

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